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domingo, 22 de agosto de 2010

SAMUEL BECKETT - POESIA, POEMAS, BIOGRAFIA

















sb: série poetas

SAMUEL BECKETT

Samuel Beckett (Samuel Barclay Beckett, 13 April 1906, Foxrock, Dublin, Irlanda) foi um poeta de representação, de expressão interna, de relações heterogéneas, próximas ou distantes, com o objecto poético. A leitura da sua obra oferece uma visão irregular e por isso mais rica, porquanto a linguagem não se oferece como fenómeno rendido, mas sim como substância viva, cambiante, com sugestões e intertextualidades expostas em níveis diversos e mudando de lugar.

A sua poética parte de uma ideia de falha, de precariedade, de conflito interior dos climas, chegando à efusão meditativa, ao acaso enquanto naturalidade e imagem fiel.

É curioso que esta abstracção na sua obra (não necessariamente apenas a obra poética) tem como consequência prática e imediata o facto de o poeta não conseguir, na maior parte das vezes, explicá-la - é o verso enquanto experiência, não enquanto significado. É como que um desenho quase em branco, apenas com os elementos essenciais à vida (ar, água, sol, etc.) e uma personagem estática, o sujeito poético, à espera que o leitor o vivifique e o assuma como seu. Este acaba por ser, de per si, cambiante, aberto, e à espera de ser integrado pela voz de cada leitor.

A linguagem de Samuel Beckett é, por vezes, experimental, com alguma base sonora, e com um princípio de desorganização, sem tentar organizar o caos - o caos como filosofia imanente, mas de espírito consciente. Há pois aquilo que se poderia chamar de «personalização do caos», no sentido de personalidade, de ser uma personagem que funda a problemática entre o visível e o invisível, entre o campo da adequação e o abismo do absurdo.

E nela há uma lógica do vazio, no apurar dos seus contornos como alguém de olhos vendados tacteando os objectos, estreando o infinito do não ver tudo, rejeitando o finito no sentido de finalidade óbvia. O contexto é exclusivamente literário, de uma energia absoluta e demandando sentidos metaforizados, esboço de uma humanidade livre . Tudo desde sempre. Nunca outra coisa. Nunca ter tentado. Nunca ter falhado. Não importa. Tentar outra vez. Falhar outra vez. Falhar melhor.”, dizia, no muito poético Worsthood Ho.


O eu poético é, não raras vezes, ele próprio uma verdadeira personagem, veja-se este “sou areia que se esvai”:


sou esta areia que se esvai
entre o cascalho e a duna
a chuva de Verão chove-me na vida
sobre mim a vida que me foge persegue-me
e vai acabar no dia do começo

caro instante vejo-te
nesta névoa que se levanta
quando não tiver de pisar estas longas soleiras movediças
e viver o espaço de uma porta
que se abre e que se fecha

Samuel Becket
em Relâmpago n.º 13
tradução de Manuel Portela


E ao lado dessa personagem todos os elementos da paisagem são espaços de meditação, por vezes reduções do mundo, em ordem a fazer transbordar o sujeito para um espaço de vazio, prestes a ser preenchido por uma outra realidade. Esse espaço é de questionamento mas não de impenetráveis hermetismos, sendo que estas multidirecções são abertas e apontam para uma dimensão redutível, de íntimo esmero na percepção da própria consciência. Encontra-se também em Beckett uma certa «auto-inspiração» no posicionamento do eu que canta sobre o cenário existencialista (à maneira de Jean-Paul Sartre) e que é evidente na acção do texto e da experiência que ele consagra. Há pois uma espécie de lei própria, pretérita à redacção dos poemas, mas contígua a eles, ecoando entre versos e estrofes, fixando a sua orientação intensa que é de microcosmos, obscuridade, degradação, de referências ao humano mais ocasional, deixando transparecer uma certa excentricidade, no sentido literal e de reforço do centramento ou reposicionamento de toda a realidade, com alteração da ordem natural.


INSTANTE

Que faria eu sem este mundo sem rosto sem perguntas
Onde o ser só dura um instante e onde cada instante
Transborda para o vazio o esquecimento de ter existido
Sem esta onda onde por fim
Corpo e sombra juntos se anulam
Que faria eu sem este silêncio poço fundo de murmúrios
Curvando-se a pedir socorro pedir amor
Sem este céu posto de pé
Sobre o pó do seu lastro

Que faria eu eu faria como ontem e como hoje
Olhando para a minha janela vendo se não estou sozinho
A errar e a mudar distante de toda a vida
preso num espaço incontrolável
Sem voz no meio das vozes
Que se fecham comigo.

Samuel Beckett
(tradução inédita de Mário Carvalheira)


Por vezes esse vazio aparece, ele mesmo, em forma de pergunta, de sequência correlacionada com uma espera de mudança, com uma racionalidade e clarividência que fere ainda mais as próprias emoções latentes nos fragmentos do poema. O seu desenvolvimento é como que um círculo reflexivo, com uma extremidade que gira, sendo que a parte interior se mantém estática. Este fenómeno do olhar gera diversas perspectivas, progressivamente mais intensificadoras da parte inalterável, do miolo do poema, quer se trate de amor, desespero, ódio, ou ignorância.


CASCANDO

1

fosse apenas o desespero da
ocasião da
descarga de palavreado

perguntando se não será melhor abortar que ser estéril

as horas tão pesadas depois de te ires embora
começarão sempre a arrastar-se cedo de mais
as garras agarradas às cegas à cama da fome
trazendo à tona os ossos os velhos amores
órbitas vazias cheias em tempos de olhos como os teus
sempre todas perguntando se será melhor cedo de mais do
que nunca
com a fome negra a manchar-lhes as caras
a dizer outra vez nove dias sem nunca flutuar o amado
nem nove meses
nem nove vidas


2

a dizer outra vez
se não me ensinares eu não aprendo
a dizer outra vez que há uma última vez
mesmo para as últimas vezes
últimas vezes em que se implora
últimas vezes em que se ama
em que se sabe e não se sabe em que se finge
uma última vez mesmo para as últimas vezes em que se diz
se não me amares eu não serei amado
se eu não te amar eu não amarei

palavras rançosas a revolver outra vez no coração
amor amor amor pancada da velha batedeira
pilando o soro inalterável
das palavras

aterrorizado outra vez
de não amar
de amar e não seres tu
de ser amado e não ser por ti
de saber e não saber e fingir
e fingir

eu e todos os outros que te hão-de amar
se te amarem


3

a não ser que te amem


Samuel Beckett
em “as escadas não têm degraus 3”
tradução de Miguel Esteves Cardoso
livros cotovia

























Beckett escrevia em inglês e em francês, sendo que os franceses o consideram um dos heróis da sua língua. Mesmo em Paris, onde viveu, manteve relações próximas com alguns poetas, com destaque para James Joyce, seu compatriota. Porém, Beckett como que subverteu a influência de Joyce na sua obra. O seu material aparece por vezes como contraponto ao seu mestre cuja forte influência o oprimia.

Um dos últimos modernistas e vanguardistas, Samuel Beckett foi Nobel da Literatura em 1969. No contexto irlandês exerceu grande influência nos trabalhos de poetas como Derek Mahon ou Thomas Kinsella. Lá fora, o universe Beckett influenciou (por vezes com reciprocidade) autores como Thomas Bernhard, Maurice Blanchot, William S. Burroughs, J. M. Coetzee, Jacques Derrida, James Kelman, David Mamet, Paul Muldoon, Edna O'Brien, ou Harold Pinter.

Obra poética inclui: Whoroscope (1930); Echo's Bones and other Precipitates (1935); Collected Poems in English (1961); Collected Poems in English and French (1977); What is the Word (1989); Selected Poems 1930-1989 (2009)

Artigo escrito por Sylvia Beirute

4 comentários:

  1. sylvia,

    eu já encenei a peça improviso em ohio. simplesmente genial.

    bj

    ResponderEliminar
  2. uma postagem necessária, minha cara.

    enquanto isso te ellenizar também é necessário.

    beijos.

    ResponderEliminar
  3. Um artigo interessante. Sempre associei Beckett ao teatro, desconhecia sua atividade poética. Obrigada por partilhar.
    Abraço.

    PAZ e LUZ

    ResponderEliminar
  4. obrigada pela linda postagem.

    estou encantada com os poemas e com tudo mais!

    abraços

    ResponderEliminar