Há acasos e coincidências muito interessantes. Tenho notado que muita gente tem entrado neste blogue à procura de algo sobre Gertrude Stein, facto que me intrigava. Porque raio todos se tinham lembrado agora da Gertrude Stein, quando nem é assim tão conhecida na lusofonia? Durante dias pensei nesse facto. Até que vi o filme Meia-Noite em Paris, de Woody Allen, em que aparece esta poetisa americana que tanto admiro e de quem falei um pouco aqui no Uma Casa em Beirute. Não posso estar cem por cento certa de ser esta a correlação, mas parece-me bem provável. Pelo menos, não vejo outra. Se alguém vir, que diga. Mas adiante. Aproveito para aconselhar o filme. Tenho a certeza que os amantes da literatura vão gostar especialmente dele. Na cena podemos um ver um Ernest Hemingway, com uma esplêndida interpretação, Fitzgerald, entre outros escritores e artistas que usaram Paris como inspiração na sua arte, tendo vivido nesta cidade.
Outra coisa muito interessante, e que os curiosos da Lei da Atracção talvez pudessem explicar, é o facto de há uns bons anos eu ter escrito um poema com o título Meia-noite em Paris, sem tirar nem pôr. Pedi a alguém muito especial que o encontrasse e, depois de algum esforço, deu-se um Voilà! Com todas as falhas e incongruências de uma idade mais tenra, aqui vai:
O mesmo poeta publicou no seu blogue uma pequena entrevista que dei há tempos a uma revista, ainda antes de lançar o meu livro, Uma Prática Para Desconserto. Se alguém tiver paciência...
Sou uma seguidora das curtas metragens de Ana Branco, perita que é em captar cenários urbanos e suburbanos. No vídeo que acima publico é mostrada uma segunda Lisboa, uma Lisboa sobrevivente, agarrando a tradição com as duas mãos, conservando a melancolia das gentes, inspirando quem passa.
Realização: Ana Branco Edição: Ana Branco e Rui Lourenço Imagem: Carlos Porfírio e Ana Branco Som: Filipe Tavares e João Santos .
Danilo estava prestes a sair de casa para ir morar com seu namorado, Marcos, quando seus pais morrem num acidente. Seus planos para o futuro mudam quando ele se torna responsável pelo irmão caçula, Lucas. Novos laços são criados entre estes três jovens garotos. Enquanto os irmãos Danilo e Lucas precisam descobrir tudo que não sabiam um sobre o outro, Marcos tenta encontrar seu lugar naquela nova relação familiar. Entre vídeo-games e copos de leite, dor e decepção, eles precisam aprender a viver juntos.
Aprecio sobremaneira a música que tem como base a palavra. Os Wordsong, de que cheguei a ver um espectáculo ao vivo, fazem-no muito bem, encontrando musicalidade nas repetições que provocam, no ritmo que acham. O vídeo é a recriação musical de Opiário, de um dos heterónimos de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos.
OPIÁRIO
Ao Senhor Mário de Sá-Carneiro
É antes do ópio que a minh'alma é doente.
Sentir a vida convalesce e estiola
E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente.
Esta vida de bordo há-de matar-me.
São dias só de febre na cabeça
E, por mais que procure até que adoeça,
Já não encontro a mola pra adaptar-me.
Em paradoxo e incompetência astral
Eu vivo a vincos de ouro a minha vida,
Onda onde o pundonor é uma descida
E os próprios gozos gânglios do meu mal.
É por um mecanismo de desastres,
Uma engrenagem com volantes falsos,
Que passo entre visões de cadafalsos
Num jardim onde há flores no ar, sem hastes.
Vou cambaleando através do lavor
Duma vida-interior de renda e laca.
Tenho a impressão de ter em casa a faca
Com que foi degolado o Precursor.
Ando expiando um crime numa mala,
Que um avô meu cometeu por requinte.
Tenho os nervos na forca, vinte a vinte,
E caí no ópio como numa vala.
Ao toque adormecido da morfina
Perco-me em transparências latejantes
E numa noite cheia de brilhantes,
Ergue-se a lua como a minha Sina.
Eu, que fui sempre um mau estudante, agora
Não faço mais que ver o navio ir
Pelo canal de Suez a conduzir
A minha vida, cânfora na aurora.
Perdi os dias que já aproveitara.
Trabalhei para ter só o cansaço
Que é hoje em mim uma espécie de braço
Que ao meu pescoço me sufoca e ampara.
Gostava de ter poemas e novelas
Publicados por Plon e no Mercure,
Mas é impossível que esta vida dure.
Se nesta viagem nem houve procelas!
A vida a bordo é uma coisa triste,
Embora a gente se divirta às vezes.
Falo com alemães, suecos e ingleses
E a minha mágoa de viver persiste.
Eu acho que não vale a pena ter
Ido ao Oriente e visto a índia e a China.
A terra é semelhante e pequenina
E há só uma maneira de viver.
Por isso eu tomo ópio. É um remédio
Sou um convalescente do Momento.
Moro no rés-do-chão do pensamento
E ver passar a Vida faz-me tédio.
Fumo. Canso. Ah uma terra aonde, enfim,
Muito a leste não fosse o oeste já!
Pra que fui visitar a Índia que há
Se não há Índia senão a alma em mim?
Sou desgraçado por meu morgadio.
Os ciganos roubaram minha Sorte.
Talvez nem mesmo encontre ao pé da morte
Um lugar que me abrigue do meu frio.
Eu fingi que estudei engenharia.
Vivi na Escócia. Visitei a Irlanda.
Meu coração é uma avòzinha que anda
Pedindo esmola às portas da Alegria.
Não chegues a Port-Said, navio de ferro!
Volta à direita, nem eu sei para onde.
Passo os dias no smokink-room com o conde -
Um escroc francês, conde de fim de enterro.
Volto à Europa descontente, e em sortes
De vir a ser um poeta sonambólico.
Eu sou monárquico mas não católico
E gostava de ser as coisas fortes.
Gostava de ter crenças e dinheiro,
Ser vária gente insípida que vi.
Hoje, afinal, não sou senão, aqui,
Num navio qualquer um passageiro.
Não tenho personalidade alguma.
É mais notado que eu esse criado
De bordo que tem um belo modo alçado
De laird escocês há dias em jejum.
Não posso estar em parte alguma.
A minha Pátria é onde não estou.
Sou doente e fraco. O comissário de bordo é velhaco.