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sexta-feira, 15 de outubro de 2010

RICARDO DOMENECK: POEMAS, POESIA, BIOGRAFIA, VÍDEO


















sb: série poetas

RICARDO DOMENECK

Ricardo Domeneck é um poeta brasileiro (Bebedouro, 1977), residente em Berlim, Alemanha, cidade que apelida de Berlimbo. A ousadia da sua poesia está muito ligada a aspectos visualísticos, a que não é alheio o facto de o poeta também realizar pequenos filmes, neles explorando as mudanças essenciais do silêncio, as suas feições e contradições. Os poemas, de leitura rápida, e com um sentido de ritmo assinalável, são um olhar sobre (e sob) um quotidiano em fuga, um quotidiano de impessoalidades, revelações parciais, máscaras de alheamento feroz. Há nesta poesia um sentido de deslumbramento, como se a visualização do movimento urbano, com os seus personagens, pudesse alterar a clarividência com que se toma o ser biografado, puxando-o para uma realidade diversa. A meu ver, os seus sujeitos poéticos começam sempre com uma massa de carne e alma, tomando forma à medida que o poema se desenrola, até pela deambulação constante de quem canta no interior de sua voz. Esta deambulação é, contudo, equilibrada e temperada por um sentido de reflexão que brilha no fundo de cada emoção electrificada. Domeneck gosta de lugares longínquos, alguns pouco acessíveis, lugares que na sua escrita lhe transportam a visão e lhe alteram as suas modalidades. Estes lugares levam-no ao restante cosmopolitismo da sua obra poética, expresso em estrangeirismos, ou referências de outra ordem. Todo este material de poesia apresenta-se como muito bem integrado no corpus do poema, criando uma naturalidade invejável e que não é fácil, com estes ingredientes, e em abstracto, de ser bem conseguida. Talvez porque se socorra do acaso, do insólito das conversões de espírito, das transformações do instinto, fazendo-se deste «eu poético» um performer, personagem que vive dentro da sua verdade e de onde não pode nem quer sair. Ricardo Domeneck, para além de poeta, realizador de filmes, é DJ e artista visual. Edita, com Angélica Freitas, Fabiano Calixto, e Marília Garcia a revista literária Modo de Usar & Co. Escreve no blogue Rocirda Domencock.

Poemas seleccionados e um vídeo:

DEDICATÓRIA DOS JOELHOS (Fragmento)

falar hoje exige
elidir a própria
voz as transações
inventivas entre
interno e externo
demandam
que a base venha
à tona e a
superfície seja
da profundidade da
história ímpeto
denotando o
centrífugo
o corpo público
que exibo como
palco fruto
da ansiedade
do remetente
o interno ao longo
da epiderme
como emily
dickinson terminando
uma carta de minúcias
com "forgive
me the personality"

Ricardo Domeneck
em a cadela sem Logos 
São Paulo, Cosac Naify, 2007

*

"POEMA COMEÇANDO `QUANDO´" (fragmento)
Oitava faixa – 0:50

Prefiro no fundo,
a superfícies,
apêndices.
Consumir antes
da próxima
geração.
Adorno e engenho
substituídos pelo
fluxo do floema,
isto é, afinal
de contas,
uma emergência.
Mudança no
tempo imprevista.
O eterno seduz
tanto quanto
sempre
mas espera-se
adultos agora.
“O que
significa
isto?”
Leia a frase
toda.
Percorremos este
espaço de tempo
minuto a minuto
para vir do pavor
da idade do serrote
como infração do eterno
em Murilo Mendes
a esta aceitação
e deslizar no contingente
de Lyn Hejinian
em “persevering saws
swimming into boards”,
contentes, contentes.

Ricardo Domeneck
em a cadela sem Logos
São Paulo, Cosac Naify, 2007

*

EU DIGO SIM ATÉ DIZER NÃO

as circunvoluções
...........e caprichos
......da atenção:
erguer a cabeça
e perder o sono

...............sopro
................... vento
...........em que
....................uma primeira esfera
...........de ar impele
....................outra ao movimento

...........ou em alto-mar
temendo menos a ausência
..................... de resgate na superfície
que a povoação alheia
...............e por isso informe, abaixo
n’água, invisível, mas parte
integrante das estruturas
do dia real

......só a lucidez abre caminho
......................para o imaginário

......................... mas a carne insiste
................no contínuo

onde as pedras são comestíveis
...................e exige-se a fome;
...........durante a transfiguração
...............em que anjos e bandejas
...........circulam seu jardim
..............................é fácil salmodiar
providências e entregas; mas
................é com o linho enfaixando toda a
................pele e a pedra
...........separando esta caverna
da saúde do ar
..................que se espera um Lázaro!
..................... Lázaro! e um segundo
................antes da asfixia
crer ainda
...........que seja este o meu
..................nome, seja ESTE o MEU
............... nome

...............se cada folha parece
........... percutir o sol hoje
e não se debruça do estame
................................... para o vazio

...................o mundo
...................... é tão simpático

...........da montanha que fala resta
...........a mímica, da presença
o ventríloquo, de sua boca
o mapa que reconduz à porta

..................mão em mão com passos lentos

......mas foi Isaque a carregar a lenha
................nas costas, tomar o fogo e o cutelo
...........na mão; e caminhou junto de seu pai

........... todo sacrifício é aparente e inútil,

.....................nenhuma
...............árvore camufla
........... suas frutas:
................expôe-nas
...........ao pássaro, ao
....................chão, ao suco
...........na garganta, à recusa
.................do estômago

...........por
...................tanto

...........percorro os andaimes
.....................de equilíbrio precário
..................... :
...........ferro oxidável
................... saudoso
...........de água

...........e a alegria de quem, na
obrigação de abater um novilho,
...................espera que seu corpo, de repente
........... forte, sobreviva ao sacrifício,

como uma garganta
enrijece-se rápida
para resistir à faca

Ricardo Domeneck 
em Carta aos anfíbios,
Rio de Janeiro, 2005
Bem-te-vi

*


OS MATERIAIS, A LIÇÃO: CINCO VARIAÇÕES 

I.

pés úmidos em terra seca:
montar um cavalo morto
enregela-nos o movimento.

(beijo ao caminho, à poeira)

o fértil
revolve os olhos
e mal contém-se
em coice:

pata impressa
em ervas.

II.

conglomerado sem esforço,
o corpo reunido vinga-se
do ar, dispersão contínua.

(e despenca-me em chuva)

o úmido
opõe ao vento
o núcleo
do seu aposento:

o corpo persevera
no extenso.

III.

escalar-se em chamas,
deitar no próprio corpo
como na última cama.

(prefiro o consumo do outro)

nosso palpável
peito unido
lambe o milagre
da carne única:

a trindade
opera-se grávida.


IV.

fala e água: ao chocarem-se
em continentes de carência,
o conteúdo dita a forma.

(o líquido modela o copo)

o sangue
procura deter-se
num trecho de pele
um instante:

toque do anátema,
farol, ex-amante.

V.

consciência purgada na falta
que ama: enfim, só se é cauto
em sins de olhos fechados.

(fé do absurdo no obstáculo)

o cavaleiro
executa
no escuro
o movimento.

sem aposta de páscoa:
um cavalo, um moinho, um vento.

Ricardo Domeneck 
em Carta aos anfíbios, 
Rio de Janeiro, 2005
Bem-te-vi
*

A PELE MEDROSA CICATRIZA-SE: E RECOMEÇA

1.

esta perturbação inicial, garfo
que não encaixa na boca
e a comida cai, num prato
assustado; o copo
d’água vai de encontro
ao dente. A garganta
estende as palmas
de vontade.

2.

O algodão úmido
na testa eriça-me
o quebranto; o soluço
acelera o ritmo.

Visto o casaco alheio
e me perco no cheiro,
um instante,
um instante.

O flagrante
do dono
perturba-me
o sono.


3.

Timidez
de pés

em casa
estranha,

que ao
ensaio

da distribuição nova
do peso descobrem

a levitação.

4.

O chão é um convite
recorrente, constante; algo em nós espera
o reencontro. Até que o vento.

Ricardo Domeneck 
em Carta aos anfíbios, 
Rio de Janeiro, 2005
Bem-te-vi
*

OLARIA

Eu chamo de
saudade do sopro,
querença de brisa
sobre a água,
como a terra, disforme,
esses materiais
nas mãos do vivo
único, e único

o filho vence em dias
o que tememos a cada
rua, avião e cama;

é o fôlego do século,
o fôlego
do século,
e convém aceitá-lo,
dizem
(e arfam)
a máscara rápida
à boca,

e pedras remanescentes
das peneiras ferem
as mãos do oleiro

onde remodelados
às vezes
despertamos

e quando o vaso nas mãos
sangra

– abrimos os olhos –

e quando a pedra nas mãos
singra

– abrimos os olhos –

(certas dores não é lícito
fingir) e no forno
aguarda-nos
a paciência do que, sólido,
mantém características
de seu passado líquido,

mas não o indivisível.

Ricardo Domeneck 
em Carta aos anfíbios, 
Rio de Janeiro, 2005
Bem-te-vi

*

O PÃO PARTIDO

Houvesse um telefonema,
haveria uma voz; eu
emagreço, que prazer
ajustar-se melhor
aos ossos. Levitar
até o teto; basta mover-se
na direção certa
para viver de inverno
em inverno. Meu corpo
seu estrado, o colchão
a falta, em concha
peito e costas
aconchegam-se
em útero: e a falta
redobrada.
O cordão umbilical uma
ausência explícita, que
digestão suporta
uma hóstia?
A boca abre-se à
expectativa,
saliva
produzida nas glândulas
da anunciação.
Pão partido, corpo prurido
every single time.
Mas separam-nos
o jejum e as
orações de minha mãe,
a possibilidade
de um oceano
e seu condiloma
imaginado.
É 1654 e cavalos
(oito) tentam separar
as duas metades de
uma esfera unidas
pelo vácuo; em apenas
dois por cento das caças
um urso polar
tem sucesso mas
seu pêlo é branco! e oco
para conduzir melhor o sol;
brilhar e desaparecer:
camuflagem perfeita e o único
predador a fome.
A hóstia sempre
um prelúdio,
não uma rememoração.

Ricardo Domeneck 
em Carta aos anfíbios, 
Rio de Janeiro, 2005
Bem-te-vi

*

SEPARATISMO

Seu olho fisga-me dentre
os outros repuxa a pele
e reabre o corte faz-me
acreditar num anzol
dedicado
à minha boca enquanto a
expectativa infecciona
sob minha língua repetindo é hoje
é hoje e eu não
queria voltar a existir
como se à entrada
de uma estação de
metrô tocando xilofone
para os transeuntes à espera
da moeda a certa a desejada você
cantarola Crush
with eyeliner ele
caminha até o som Too drunk
to fuck soa
no quarto poemas não
o impressionam inútil
citar aquela poetisa
polonesa de que você gosta
tanto discorrer sobre a palavra yes
nos poemas
de e.e. cummings narrar
a morte estúpida
de Ingeborg Bachmann aduzir
como ele adoraria Yehuda
Amichai ou chiar améns não ele
folheia panfletos
anarquistas mimeografados
textos de escritores
judeus cheios de sarcasmo e ri
sozinho na cama você
se olha no espelho e sabe
de antemão que não
adianta tentar
um moicano você nasceu
para usar
óculos sua visão perfeita
20/20 sempre
foi na verdade um insulto mas como
é bom ouvi-lo sobre a infância
na Berlim dividida os pais
anarquistas o erro
a reunificação (der Anschluss
como ele diz) as dificuldades
de ser possuído por pai
alemão e mãe
judia passar o sábado
todo assistindo-
o vê-lo observar o sábado pedir pelo
que é kosher sim querido começa
em alguns dias a Chanukka
quando em um cerco inimigo
ao templo o óleo
suficiente para apenas um dia queimou
durante oito a perseverança do óleo me
cai bem

Ricardo Domeneck 
em Carta aos anfíbios, 
Rio de Janeiro, 2005
Bem-te-vi

*

O ACORDEONISTA DA CATEDRAL DE BRUXELAS

De Bruxelas eu
esperava tudo, talvez
a reprise
do que ali já vivera,
uma noite ao lado
de Jey Crisfar,
chuva e cansaço,
conversas com taxistas
e árabes, mas não
este acordeonista
loiro de 20 anos
diante da Catedral,
sim, a de Bruxelas,
acordeonista loiro e imberbe,
alto e imundo,
a quem doei 2 euros
num excitativo segundo de tacto
entre sua mão e meus dedos fechados
abrindo-se em bojo sobre sua palma,
após fazer com a visão
o rodízio contemplativo e luxurioso,
alternando o foco dos olhos
entre a catedral imberbe e loira
e o acordeonista alto e imundo,
a quem ensaiei, por 20 minutos
que mais pareceram seus 20 anos,
perguntar seu nome, quiçá filmá-lo
com a câmera que deixara
no Berlimbo,
ou imaginá-lo fotografado em série
por Adelaide Ivánova,
Heinz Peter Knes
ou qualquer fotógrafo
íntimo que me cedesse
os direitos autorais
desta imagem loira,
imunda,
para que eu de alguma forma
possuísse
este acordeonista imberbe e alto
em seus 20 anos,
a quem então batizo
em minhas glândulas
e passarei a chamar de Loïc
ou quem sabe Guillaume
pelo resto dos meus dias
após falhar em criar os colhões
de pedir seu nome,
e é assim, sr. Loïc ou Guillaume
aos 20 anos imundo e acordeonista,
que a você eu dedico
diante da alta e imberbe
Catedral de Bruxelas,
estes 2 euros
e uma ereção.

Ricardo Domeneck
Bruxelas, 8 de outubro de 2010
inédito

*

TEXTO EM QUE O POETA MEDITA SOBRE A FUGA INEXEQUÍVEL DA HISTÓRIA COMO TURISTA EM BUDAPESTE, HUNGRIA

Oblivion não
me assusta,
Claudette Colbert.
Evito praticar o
nado-sincronizado
no formol das evidências
fotográficas de
moi-même & myself.
Se possuísse na geografia
residência fixa em Twin Peaks,
sei que talvez os tupiniquins
elegessem os tons e timbres
de minha sinfonia de ossículos
para martelo, bigorna e estribo:
echolalaica
do silenciável
se a alfândega
rege as adegas
da anomalia.
Meus autobiógrafos
impossibilitados de
narrar meu martírio
em Montmartre,
como não houve
sobreviventes
com meu nome
em Guernica
ou Treblinka.
Em meio à hipoteca
dos meus despejos
não invoco
Hiroshima mon glamour.
Escuta aqui, Titanic:
tão Aristóteles quanto
Heródoto ou aritmético
o erótico,
todo mundo
sabe que o manual
de dança
conspira pelo decreto
dos pés
como obsoletos.
Não venha
mimetizar-me o miasma.
Qualquer Xerxes
a chicotear o mar
sabe que o olvido de Myrna Loy
não é o ouvido de Mina Loy
e Góngora não serve gôndolas
a canais de televisão, jornais
vespertinos em dia
crônico do hodierno
se é
hipótese a manhã.
Tal qual
este planeta
que aceita satélites
ou ser terceiro
em relação
a um sol
localizável mesmo
em seu espiralar
de eixo,
que não
pausa a cada
0:00
ou advoga o
stand by
do meu sono.
Buda não
é Manhattan,
feito aquele Guesa
em vertigem no Stock
Market
ou Lorca
histérico no Harlem.
Narrar o passado
é tal ginástica odisséica,
& ! que ginga, que físico
deste acrobata do empírico.
Eu aceito, sim, da totalidade
o resquício, poderia escrever
sobre Nova Iorque,
Manaus ou Poughkeepsie
mas nunca o pús nos pés
lá, isto aqui é Budapeste,
não as Ilhas Mauritius.
Hoje, ou em 1956, jamais
corresponder-se-ia
como os Poems
by Pierre Reverdy

no bolso de O´Hara,
então aceito a ladainha
da lingueta sem chave
à resistência da História
e a cartografia
inelegível, o mundo.
Sim, Budapest não é New York
& meu miocárdio está no bolso:
pocket book de Miklos Radnóti.

Ricardo Domeneck
inédito

*

Vídeo: Eugen, 2006


Ricardo Domeneck - "Eugen" (2006) from HILDA magazine on Vimeo.


 Obra:
  • Carta aos anfíbios (Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2005)
  • When they spoke I / confused cortex / for context (London: Kute Bash Books, 2006)
  • "Ideologia da percepção" in Revista Inimigo Rumor (SP: Cosac Naify & RJ: Sete Letras, 2006)
  • a cadela sem Logos (São Paulo: Cosac Naify, 2007)
  • Corpos e palanques (São Paulo: Dulcineia Catadora, 2009)
  • Sons: Arranjo: Garganta (São Paulo: Cosac Naify, 2009)

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