Subscribe

RSS Feed (xml)

Powered By

Skin Design:
Free Blogger Skins

Powered by Blogger

sábado, 28 de agosto de 2010

SYLVIA PLATH - POESIA - POEMAS - BIOGRAFIA POÉTICA - ANÁLISE CRÍTICA

























sb: série poetas

SYLVIA PLATH

Já muito se falou da vida pessoal de Sylvia Plath (Jamaica Plain, Massachusetts, 27 de Outubro de 1932 — Primrose Hill, Londres, 11 de Fevereiro de 1963) e por esse motivo pouco sentido fará expor aqui meros levantamentos históricos. A título de referência, indico (e aconselho) o filme Sylvia, realizado por Christine Jeffs, e bem protagonizado por Gwyneth Paltrow. A história de Sylvia Plath, ao fim e ao cabo (ainda que a relação com Ted Hughes seja muito particular), nem difere muito da ideia romântica de se morrer relativamente jovem, circunstância agravada (e aqui devia colocar aspas) por se tratar de uma mulher e em virtude de o seu desaparecimento ter sido sequência de suicídio.
Há exemplos de outros poetas que morreram em actos suicidas, como (cito de cor) Paul Celan, Cesare Pavese, Alejandra Pizarnik, os nossos Guilherme de Faria, Florbela Espanca, Mário de Sá-Carneiro, etc. Em relação a Sylvia Plath há uma espécie de culto em torno da sua vida, maior do que a reflexão pura acerca da sua poesia.

Vejo a poesia de Sylvia Plath como automarginal, isolamento de posições determinadas, como auto-interpretativa dentro da sua esfera ideal e muito íntima. Os contextos estabelecem-se com vocábulos identificadores, com uma “harmonia” negra e atmosfera de cariz confessional. Esta atmosfera muito própria, e aqui entra um aspecto que me parece interessante, apresenta-se, algumas vezes, transformada, como se a confissão viesse com timidez ou reservas, como se quisesse impor ao leitor uma barreira ou um simples modo indirecto de expor a vida.

Veja-se este Espelho (Mirror):

MIRROR

I am silver and exact. I have no preconceptions.
Whatever I see I swallow immediately
Just as it is, unmisted by love or dislike.
I am not cruel, just truthful -
The eye of a little god, four cournered.
Most of the time I meditate on the opposite wall.
It is pink, with speckles. I have looked at it so long
I think it is a part of my heart. But it flickers.
Faces and darkness separate us over and over.

Now I am a lake. A woman bends over me,
Searching my reaches for what she really is.
Then she turns to those liars, the candles or the moon.
I see her back, and reflect it faithfully.
She rewards me with tears and an agitation of hands
I am important to her. She comes and goes.
Each morning it is her face that replaces the darkness.
In me she has drowned a young girl, and in me an old woman
Rises toward her day after day, like a terrible fish.


ESPELHO

Sou de prata e exacto. Não faço pré-julgamentos.
O que vejo engulo de imediato
Tal como é, sem me embaçar de amor ou desgosto.
Não sou cruel, simplesmente verídico —
O olho de um pequeno deus, de quatro cantos.
Reflicto todo o tempo sobre a parede em frente.
É rosa, manchada. Fitei-a tanto
Que a sinto parte do meu coração. Mas cede.
Faces e escuridão insistem em separar-nos.

Agora eu sou um lago. Uma mulher se encosta a mim,
Buscando na minha posse o que realmente é.
Mas logo se volta para aqueles farsantes, o brilho e a lua.
Vejo as suas costas e reflicto-as na íntegra.
Ela paga-me em choro e em agitação de mãos.
Eu sou importante para ela. Ela vai e vem.
A cada manhã a sua face alterna com a escuridão.
Em mim se afogou uma menina, e em mim uma velha
Salta sobre ela dia após dia como um peixe horrível.

(Tradução inédita de Pedro Calouste)

*

Há nesta poesia como que um conjunto de cores escuras com leves reflexos de luz, a ideia de noite e de sair em camisa de dormir descalça pelo chão gelado. É, para mim, a noção de transgressão íntima que está em causa, os esconderijos da mente e do corpo, transgressão essa que se manifesta no silêncio rígido entre versos, na frieza da ausência de dúvida que o poema lentamente consome.

No universo plathoniano nem tudo aparece com explicação directa, embora os fragmentos se diluam no todo da substância e do estilo. O estilo é variável, não se prende em fórmulas prévias, e daí a grande riqueza e diversidade das suas experimentações. Os poemas parecem-me, e isto faz retomar uma velha discussão, fruto de uma relação entre um “eu” e outro “eu”, meditações que nem a leitura consegue, ainda que levemente, mudar. Esta postura de escrita oferece aos poemas uma naturalidade própria (ainda que sombria), como se fossem escritos (e talvez o tenham sido) directamente da voz, sem que a mão adultere o que aquela sabiamente diz e prefacia.

Vejamos este Os Manequins de Munique (The Munich Mannequins), escrito em 28 de Janeiro de 1963:


THE MUNICH MANNEQUINS

Perfection is terrible, it cannot have children.
Cold as snow breath, it tamps the womb

Where the yew trees blow like hydras,
The tree of life and the tree of life

Unloosing their moons, month after month, to no purpose.
The blood flood is the flood of love,

The absolute sacrifice.
It means: no more idols but me,

Me and you.
So, in their sulfur loveliness, in their smiles

These mannequins lean tonight
In Munich, morgue between Paris and Rome,

Naked and bald in their furs,
Orange lollies on silver sticks,

Intolerable, without mind.
The snow drops its pieces of darkness,

Nobody's about. In the hotels
Hands will be opening doors and setting

Down shoes for a polish of carbon
Into which broad toes will go tomorrow.

O the domesticity of these windows,
The baby lace, the green-leaved confectionery,

The thick Germans slumbering in their bottomless Stolz.
And the black phones on hooks

Glittering
Glittering and digesting

Voicelessness. The snow has no voice.



OS MANEQUINS DE MUNIQUE

A perfeição é terrível, não gera filhos.
Fria como o hálito da neve, ela tapa o útero

Onde os teixos sopram como serpentes,
A árvore da vida e a árvore da vida.

Desprendendo as suas luas, mês atrás de mês, sem nenhum propósito.
O jacto do sangue é o jacto do amor,

O sacrifício absoluto.
Quer dizer: mais nenhum ídolo, excepto eu

Eu e tu.
Assim, com a sua graça sulfúrica, nos seus sorrisos

Esses manequins se encostam esta noite
Em Munique, morgue entre Roma e Paris,

Nus e carecas vestidos com os seus casacos de pele,
Chupas-chupas de laranja com pau de prata

Intoleráveis, sem cabeça.
A neve deixa cair os seus pedaços de escuridão.

Ninguém perto. Nos hotéis
As mãos abrirão portas e deixar

Sapatos no chão para uma mão que engraxa
Com os seus dedos largos entrando amanhã.

Ah, a domesticidade dessas janelas,
As roupas de bebé, a confecção de folhas verdes,

Os espessos alemães dormindo com o seu desprezo inacabável.
E telefones pretos nos ganchos

Cintilando
Cintilando e digerindo

A mudez. A neve não tem voz.

(tradução inédita de Pedro Calouste)


*

O cansaço das emoções é um aspecto que me salta à vista. Há, por vezes, uma espécie de falso acompanhamento destas ao longo do poema. Este aspecto faz alterar, como se de um mapa se tratasse, a escala da verdade, remetendo o poema para a sua periferia.
Todavia, essas emoções paralelas e mixadas (como diriam os Rolling Stones), fazem uma soma, formam um todo-onanista (perdoem-me a metáfora), evitando o desfecho fatal e dramático na ponta final do texto, antes se espalhando (e alastrando) pelo poder manifesto de cada imagem. 

*

Por vezes penso em Sylvia Plath e nos seus poemas, incluindo aqueles com grande influência da Segunda Guerra Mundial. Talvez essa frieza de espírito me tenha ficado, talvez ainda arrepie as ruas que os meus dedos percorrem quando escrevo. Sinto-a numa pequena ilha do meu imaginário, recitando, vezes sem conta, o poema Paizinho (Daddy):


DADDY

You do not do, you do not do
Any more, black shoe
In which I have lived like a foot
For thirty years, poor and white,
Barely daring to breathe or Achoo.

Daddy, I have had to kill you.
You died before I had time---
Marble-heavy, a bag full of God,
Ghastly statue with one grey toe
Big as a Frisco seal

And a head in the freakish Atlantic
Where it pours bean green over blue
In the waters off beautiful Nauset.
I used to pray to recover you.
Ach, du.

In the German tongue, in the Polish town
Scraped flat by the roller
Of wars, wars, wars.
But the name of the town is common.
My Polack friend

Says there are a dozen or two.
So I never could tell where you
Put your foot, your root,
I never could talk to you.
The tongue stuck in my jaw.

It stuck in a barb wire snare.
Ich, ich, ich, ich,
I could hardly speak.
I thought every German was you.
And the language obscene

An engine, an engine
Chuffing me off like a Jew.
A Jew to Dachau, Auschwitz, Belsen.
I began to talk like a Jew.
I think I may well be a Jew.

The snows of the Tyrol, the clear beer of Vienna
Are not very pure or true.
With my gypsy ancestress and my weird luck
And my Taroc pack and my Taroc pack
I may be a bit of a Jew.

I have always been scared of *you*,
With your Luftwaffe, your gobbledygoo.
And your neat mustache
And your Aryan eye, bright blue.
Panzer-man, panzer-man, O You---

Not God but a swastika
So black no sky could squeak through.
Every woman adores a Fascist,
The boot in the face, the brute
Brute heart of a brute like you.

You stand at the blackboard, daddy,
In the picture I have of you,
A cleft in your chin instead of your foot
But no less a devil for that, no not
Any less the black man who

Bit my pretty red heart in two.
I was ten when they buried you.
At twenty I tried to die
And get back, back, back to you.
I thought even the bones would do.

But they pulled me out of the sack,
And they stuck me together with glue.
And then I knew what to do.
I made a model of you,
A man in black with a Meinkampf look

And a love of the rack and the screw.
And I said I do, I do.
So daddy, I'm finally through.
The black telephone's off at the root,
The voices just can't worm through.

If I've killed one man, I've killed two---
The vampire who said he was you
and drank my blood for a year,
Seven years, if you want to know.
Daddy, you can lie back now.

There's a stake in your fat, black heart
And the villagers never liked you.
They are dancing and stamping on you.
They always *knew* it was you.
Daddy, daddy, you bastard, I'm through.


*


*


PAIZINHO

Não serves, não serves,
Não serves mais, sapato preto
Em que eu vivi como um pé
Trinta anos, pobre e branca,
Mal me atrevendo a respirar ou atchim.

Paizinho, eu tive de matar-te,
Morreste antes que eu tivesse tempo,
Mármore pesado, saco repleto de Deus,
Estátua medonha de dedo grande cinzento
Do tamanho de uma foca de Frisco

E uma cabeça no Atlântico mais esquisito
Onde ele derrama o verde-feijão sobre o azul
Nas águas da lindíssima Nauset.
Eu costumava rezar para te recuperar
Ach, du.

Na língua alemã, na vila polaca
Aterradas pelo rolo
Das guerras, guerras, guerras.
Mas o nome do lugar é vulgar.
Diz o meu amigo polaco

Que há uma ou duas dúzias.
Assim nunca soube onde tu
Fixaste os pés, as tuas raízes,
Contigo nunca consegui falar.
A língua presa no maxilar.

Arame farpado.
Ich, ich, ich, ich,
Mal conseguia dizer.
Em qualquer alemão estavas espelhado.

E a linguagem porca
Uma máquina, uma máquina
Em vapores leva-me como judia.
Uma judia para Dachau, Auschwtiz, Belsen.
Comecei a falar como uma Judia.
Acho que é boa ideia ser Judia.

A neve do Tirol, as cervejas clarinhas de Viena
Não são muito puras ou genuínas
Com a minha angelical cigana, o meu destino estranho
E as minhas cartas de tarot, cartas de tarot
Eu posso ser um pouco Judia.

Sempre me provocaste medo,
Com a tua Luftwaffe, a tua conversa vazia.
E o teu bigode lavado
O olho ariano, muito azul.
Homem-panzer, homem-panzer, oh tu_

Não Deus, mas uma suástica.
Tão negra que nem céu.
Qualquer mulher adora um Fascista,
A bota na cara, o bruto
Bruto coração de um bruto da tua espécie.

Estás de pé na pedra, paizinho,
Na imagem que trago comigo,
Em vez do pé, o queixo partido,
Não menos canalha por isso, oh não
o homem que partiu em dois
o meu lindo e vermelho coração.

Eu tinha dez anos quando foi a enterrar.
Aos vinte anos, eu tentei morrer
E voltar, voltar, voltar para ti.
E até pensei que os ossos serviriam.

Mas não me deixaram,
Juntaram os meus bocados com cola.
E então eu soube o que fazer.
Fiz um modelo de ti,
Homem de preto, com um aspecto de Meinkampf

E o amor de tortura e torniquete.
E eu disse eu aceito, eu aceito
E então, paizinho, finalmente estou acabada.
Arranquei o telefone preto da ficha,
As vozes já não se arrastam até aqui.

Se matei um homem, matei dois_
O vampiro que me disse seres tu
E bebeu o meu sangue por um ano,
Sete anos, se queres saber
Paizinho, podes voltar para trás.

Há uma estaca no teu coração negro e gordo
E os homens da vila nunca gostaram de ti.
Eles dançam e espezinham-te.
Eles sempre souberam que eras tu.
Paizinho, paizinho, seu canalha, estou acabada.
(tradução inédita de Pedro Calouste)


*

A poetisa tinha influências literárias de Anne Sexton, Theodore Roethke, W. D. Snodgrass, T. S. Eliot, Ted Hughes, W. S. Merwin, Wallace Stevens, W. B. Yeats,  etc.

Obra:

The Colossus and Other Poems (1960), colectânea de poemas;
The Bell Jar (1963), romance
Ariel (1965), poemas;
Crossing the Water (1971), colectânea de poemas;
Johnny Pannic and the Bible of Dreams (1977), livro de contos e prosa;
The Collected Poems (1981), poesia inédita;

*

Ligações:

artigo escrito por Sylvia Beirute

Sem comentários:

Enviar um comentário