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segunda-feira, 1 de novembro de 2010

ANTONIO CÍCERO: POEMAS, POESIA, ANÁLISE CRÍTICA, BIOGRAFIA




















sb: série poetas


ANTONIO CÍCERO

Escrever boa poesia sobre a contemporaneidade é necessariamente um risco, ainda que poucos o percebam, embrenhados que estão num simplismo gratuito ou, no extremo oposto, nos confins de uma linguagem sem correspondência. Ainda há pouco, numa conversa sobre poesia que mantinha com Ricardo Domeneck, ele mostrava-me uma citação de The ABC of Reading, de Ezra Pound, em que este se referia ao equilíbrio que deve existir na poesia, o difícil equilíbrio da poesia, dentro do qual  "o poema deveria entusiasmar o leigo e deliciar o especialista". Toda esta introdução inicial serve para falar do poeta brasileiro Antonio Cícero (Rio de Janeiro, 1945), ele que congrega nos seus poemas os equilíbrios entre consciência e inconsciência, compreensão e conformação, contemplação e crítica. Fá-lo numa linguagem ecléctica, com denominadores comuns de actualidade e casualidade; uma linguagem que lhe busca o sublime sem esforço, a análise, pela imagem, que a palavra suporta ao receber o que se afasta, aproximando-o da voz pragmática mas proteccionista do sujeito. Esta poesia formula a plenitude da sua liberdade, a liberdade dos olhos, reais ou virtuais, que parecem sobreviver à sobrevivência dos outros sentidos, sobrevivência que é um misto de opacidade e transparência, requinte e destronização. Por isso, trata-se de uma poética com um pendor reflexivo muito assinalável, sempre procurando as instâncias intermédias da visualização de lugares, de matérias, de temas do íntimo. Algumas composições são de índole confessional, assemelhando-se ao conteúdo de epístolas. Há como que um diálogo entre dois sujeitos poéticos em épocas e condições sociais distintas. É como se um procurasse o outro e lhe desse imagens de um outro tempo, de uma realidade com predisposições diferentes. Como tal, encontra-se em Antonio Cícero diferentes estados de consciência, por vezes um lado ingénuo que confere aos poemas autenticidade e ao mesmo tempo uma autonomia e independência para se oferecerem, de corpo (forma) e alma (conteúdo), à poesia, à poesia que muda, que nunca tem certezas de nada, que busca a beleza, ainda que esta  se apresente como  exageradamente verdadeira, violenta e cega.

Poemas Seleccionados:


A CIDADE E OS LIVROS

para D.Vanna Piraccini

O Rio parecia inesgotável
àquele adolescente que era eu.
Sozinho entrar no ônibus Castelo,
saltar no fim da linha, andar sem medo
no centro da cidade proibida,
em meio à multidão que nem notava
que eu não lhe pertencia - e de repente,
anônimo entre anônimos, notar
eufórico que sim, que pertencia
a ela, e ela a mim - , entrar em becos,
travessas, avenidas, galerias,
cinemas, livrarias: Leonardo
da Vinci Larga Rex Central Colombo
Marrecas Íris Meio-Dia Cosmos
Alfândega Cruzeiro Carioca
Marrocos Passos Civilização
Cavé Saara São José Rosário
Passeio Público Ouvidor Padrão
Vitória Lavradio Cinelândia:
lugares que antes eu nem conhecia
abriam-se em esquinas infinitas
de ruas doravante prolongáveis.

Antonio Cícero 

*

O PAÍS DAS MARAVILHAS

Não se entra no país das maravilhas,
pois ele fica do lado de fora,
não do lado de dentro. Se há saídas
que dão nele, estão certamente à orla
iridescente do meu pensamento,
jamais no centro vago do meu eu.
E se me entrego às imagens do espelho
ou da água, tendo no fundo o céu,
não pensem que me apaixonei por mim.
Não: bom é ver-se no espaço diáfano
do mundo, coisa entre coisas que há
no lume do espelho, fora de si:
peixe entre peixes, pássaro entre pássaros,
um dia passo inteiro para lá.

Antonio Cícero

*

SAIR

Largar o cobertor, a cama, o
medo, o terço, o quarto, largar
toda simbologia e religião; largar o
espírito, largar a alma, abrir a
porta principal e sair. Esta é
a única vida e contém inimaginável
beleza e dor. Já o sol,
as cores da terra e o
ar azul — o céu do dia —
mergulharam até a próxima aurora; a
noite está radiante e Deus não
existe nem faz falta. Tudo é
gratuito: as luzes cinéticas das avenidas,
o vulto ao vento das palmeiras
e a ânsia insaciável do jasmim;
e, sobre todas as coisas, o
eterno silêncio dos espaços infinitos que
nada dizem, nada querem dizer e
nada jamais precisaram ou precisarão esclarecer.

Antonio Cícero 
.
*
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MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA

Fica em Boa Viagem. Disco voador
ele não é, pois não pousou na pedra
mas se ergue sobre ela; nem alça vôo:
à orla de cidades e florestas
suspende-se no ar feito pergunta
e o que tem dentro mergulha e se banha
no mundo em volta e o mundo em volta o inunda:
é o museu fora de si, de atalaia
à curva do abismo, à altura das musas,
sobre o mar, sobre a pedra sobre o mar,
e sobre o espelho d'água em que se apura
sobre essa pedra um mar a flutuar,
um céu na terra, quase nada, um aire,
a flor de concreto do Niemeyer.
.
Antonio Cícero
.
*
.
BALANÇO

A infância não foi uma manhã de sol:
demorou vários séculos; e era pífia,
em geral, a companhia. Foi melhor,
em parte, a adolescência, pela delícia
do pressentimento da felicidade
na malícia, na molícia, na poesia,
no orgasmo; e pelos livros e amizades.
Um dia, apaixonado, encarei a minha
morte: e eis que ela não sustentou o olhar
e se esvaiu. Desde então é a morte alheia
que me abate. Tarde aprendi a gozar
a juventude, e já me ronda a suspeita
de que jamais serei plenamente adulto:
antes de sê-lo, serei velho. Que ao menos
os deuses façam felizes e maduros
Marcelo e um ou dois dos meus futuros versos.
.
Antonio Cícero
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Antonio Cícero nasceu no Rio de Janeiro, em 1945 e é formado em Filosofia pelo University College da Universidade de Londres. Poeta e ensaísta, é autor, entre outras coisas, dos livros de poemas Guardar (Record, 1996 - Prêmio Nesdé) e A cidade e os livros (Record, 1996), assim como do ensaio filosófico O mundo desde o fim (Francisco Alves, 1995) e do livro de ensaios sobre poesia e arte Finalidades sem fim (Companhia das Letras, 2005). Junto com o poeta Waly Salomão, editou o livro de ensaios O relativismo enquanto visão do mundo (Francisco Alves, 1994) e organizou a Nova antologia poética de Vinícius de Moraes (Companhia das Letras, 2003). Letrista de canção popular, tem como parceiros e intérpretes Marina Lima, Adriana Calcanhotto, João Bosco e Caetano Veloso, entre outros.
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Artigo de Sylvia Beirute
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4 comentários:

  1. - O país das maravilhas - é um poema que pode sempre acontecer

    ResponderEliminar
  2. Maravilhoso este seu espaço, parabens. Adorei tudo que vi. Indicare nas minhas páginas, aguarde.
    Beijabrações
    www.luizalbertomachado.com.br

    ResponderEliminar
  3. Outro dia tive o privilégio e a sorte (por estar zapeando na tv aberta e encontrar um programa que o Antonio Cícero estava lendo poemas e falando de poesia) e fiquei feliz por demais, pois é um poeta que conheço dos livros e das músicas da iirmã dele, e vê-lo, lendo poemas (delirei). Procurando por mais poemas deste poeta do meu tempo, cheguei aqui...então, muito obrigado por este blog.
    ps. Meu carinho meu respeito meu abraço.

    ResponderEliminar
  4. Adorei! Queria eu ter capacidade Ciceroniana,ao menos, o mínimo talento para escrever linhas de músicas minhas... Ás vezes... linhas vivas... acontecimentos...

    ResponderEliminar