sb: série poetas
GUNNAR BJÖRLING
Não podemos dar a verdade a quem quer decidir que aspecto é que ela deve ter.
Transferir a vida, verificar as diferenças após a transferência, transmutação de um facto de uma realidade para outra realidade, sabendo que cada uma tem a sua obscuridade, o seu desígnio. Isto leva-me ao que tenho lido sobre o poeta Gunnar Björling (1887–1960, Helsínquia, Finlândia) e ao que ele próprio dizia sobre a sua poesia: uma poesia que não se incluía dentro das palavras que utilizava, usando um lado céptico na sua linguagem, como se fosse possível separar a linguagem do conteúdo.
Gunnar Björling foi, para muitos, o mais radical poeta da Finlândia e Suécia (era finlandês de expressão sueca), tendo-se dedicado a partir de certo tempo, e depois de ter sido professor (diz-se que as opiniões que nas suas aulas expressava eram menos convencionais, o que lhe traçou o destino), em exclusivo à poesia. Devido a este facto, viveu em condições miseráveis numa cave da cidade finlandesa de Helsínquia. Nesta cave recebia alguns jovens poetas, não só da Finlândia, mas de toda a Escandinávia, sendo na altura muito apreciado.
A sua poesia começou por ser de imagens abertas, mas cedo o poeta subverteu as regras (por vezes até da sintaxe) e essa poesia passou a conter-se dentro dos estritos limites da linguagem que criara. Mas essa linguagem, ao contrário do que se possa pensar, era, afinal, a linguagem pura do quotidiano, embora exposta de modo a criar outros sentidos, uma outra exposição do ser nas suas múltiplas manifestações, a que não é indiferente o facto de o poeta ser influenciado pelo dadaísmo. Björling chegou a dizer que a linguagem constituía o “médium poético”. E isto quererá dizer que a sua poética não pode, nem deve, ser contida (ou presa) nas palavras que a “representam”. E este verbo (representar) uso-o num sentido exacto, significando a parte pelo todo, ou seja, o “poema de palavras” como parte de uma “poesia de significados”, como que numa dimensão espiritual, análoga à dos humanos: carne e espírito.
Vejamos o que nos diz a sua poesia:
*
não fomos embora sem nome
a nossa vida era dar nome
e palavra e forma,
dar luz ao olho
dar pedra e a areia
para aprender que não aprendemos
e isso debaixo do nome do mundo
e o nome vai mais fundo
sem nome.
*
Corta, corta-
-te, a tua palavra
corta o teu
contorno, o que tu não
consegues explicar.
sê o que tu és,
sê aquela música,
sê tu, tu mesmo
como uma palavra-concerto
sê tu, como um escondido na mudez
do mundo,
um concerto sonhado.
*
Não tenho nome de pássaro e texto de erva
e do fundo de mim eu falo
ouvirei essa voz
pesquiso, encontro palavras: e vêm,
palavras vindo mais que o entendimento,
palavras e nenhuma é.
*
Onde eu navego as minhas próprias e grandes águas,
estou eu muito perto de ti
onde tu passeias
e falarei em breve uma língua
de tudo o que nós amamos.
Poemas de Gunnar Björling
(traduções inéditas de João Muzi)
obra publicada inclui:
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Artigo escrito por Sylvia Beirute
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Na Série Poetas: Alejandra Pizarnik; Ana Luísa Amaral; Antonio Cícero; António Ramos Rosa; Cesare Pavese; Edwin Morgan; Fernando Esteves Pinto; Ferreira Gullar; Friedrich Nietzsche; Gertrude Stein; Gunnar Björling; Herberto Helder; Leonard Cohen; Pablo Neruda; Ricardo Domeneck; Roger Wolfe; Samuel Beckett; Seamus Heaney; Sylvia Plath; Theodore Roethke.
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