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sexta-feira, 4 de março de 2011

MANOEL DE BARROS: POEMAS, POESIA, ANÁLISE CRÍTICA, BIOGRAFIA, BIBLIOGRAFIA














sb: série poetas


MANOEL DE BARROS
   
                      "Na Natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma."
                                                                                    Antoine-Laurent de Lavoisier


                              "Sabemos nós que poesia mexe com palavras e não com   
                                paisagens. Por isso não sou poeta pantaneiro, nem ecológico.   
                                Meu trabalho é verbal. Eu tenho o desejo, portanto, de mudar   
                                a feição da natureza, pelo encantamento verbal."
                                                                                                    Manoel de Barros


            Manoel Wenceslau Leite de Barros (Cuiabá, Brasil, 19 de Dezembro de 1916) é o que se poderia chamar de alma humana inevitável, clarividente no corpo fisicamente espiritual como se tudo tivesse visto antes de vir ao mundo. E que visão feliz é esta? O poeta do Pantanal escuda-se na simples dicotomia entre coisificação do homem e humanização da coisa, fixando no seu solo tais premissas, permitindo-se alterar a substância natural e a partir daí reconstruir, dar vida (no caso das coisas, muitas delas objectos próximos da inutilidade, ou desutilidade como ele próprio diria), retirar vida ou colocá-la lado a lado com as restantes coisas (no caso do homem). Por isso, está claro que é uma poesia directamente literal (do ponto de vista linguístico), sendo que porém a literalidade é uma literalidade diferida, resolvidos os pressupostos iniciais. Nos poemas há como que um reequilíbrio do mundo, do peso das coisas, da importância das pessoas umas face às outras; há uma comunicabilidade entre todos os elementos do mundo, a que não é alheio, talvez, o facto de Manoel de Barros ter nascido à beira do Rio Cuiabá, ter vivido em Campo Grande, onde foi fazendeiro e criador de gado. Esse contacto com a natureza fê-lo buscar incessantemente a génese, os pontos mínimos, os inícios de sociedade, os primeiros olhares em direcção à realidade, passando a ter, na sua poesia, o Pantanal como pano de fundo.

            Em Poemas Concebidos sem Pecado (livro ilustrado por Jorapimo) há uma busca pela essencialidade (“sob o canto do bate-num-quara nasceu Cebeludinho / bem diferente de Iracema / desandando pouquíssima poesia / e que desculpa a insuficiência do canto / mas explica a sua vida / que juro ser o essencial”), pela inocência de uma infância de traquinice, alegria e êxtase (são usuais as exclamações), e um certo deambulismo, contemplação e qualificação (“pela rua deserta atravessa um bêbado comprido / e oscilante / como bambu / assobiando”).
            Em Compêndio para Uso dos Pássaros (também o nome da Poesia Reunida do autor, em Portugal, editado pelas extintas Edições Quasi) há um aprimoramento da metáfora, que é aberta e narrativa, um esforço maior de retirar as coisas do contexto natural e introduzi-las num outro, bem mais visceral (ex: “Jacaré comeu minha boca do lado de fora”; “ainda estavam verdes as estrelas / quando eles vinham / com seus cantos rorejados de lábios. / Os passarinhos se molhavam de / vermelho na manhã / e subiam por detrás de casa para me / espiarem no vidro”).
           
            Na obra Gramática Expositiva do Chão, o autor adopta uma discursividade quase política tal a importância e o tratamento que dá às situações que retrata e poetifica. De modo a aumentar a intensidade do discurso, faz enumerações de objectos, alguns deles de uso pessoal, fazendo paralelismos entre realidades díspares, num discurso em que a harmonia final é eivada de compaixão, de esquecimentos parciais e de janelas abertas para um mundo retido no seu tempo e espaço.

            Manoel de Barros acredita na superfície das coisas simples, na sua razão autónoma, aprofundando-lhes a estética, desdobrando-lhes a alma. Uma das características da sua obra é precisamente, e quanto a mim, este jogar com o superficial, sendo profundo; este jogar com os desnivelamentos dos elementos, mantendo-se verdadeiro e natural. O autor enquadra-se naquilo que ele chama de «vanguarda primitiva», virtude e dom pela fascinação e obsessão pelo primitivo, pelo elementar e selvagem. Mas há ainda um recriar deste natural. É um natural, eu diria, «infranatural», pois apropria-se dos elementos naturais e quase que lhes subverte a sua ordem mais irrepreensível.
            Por outro lado, esta busca pelo primitivo não quer dizer que ele sempre busque o puro, a purificação, o ausentar-se dos problemas mundanos. É sim, como se tem vindo a dizer, a criação de um novo mundo moldado por uma certa reprodução de um passado, uma busca por um certo alheamento, um olhar diferente, muitas vezes remetido para a infância, vislumbrando-se nas entrelinhas o enorme contraste com o mundo dos nossos dias, de que Manoel de Barros também faz parte.
            Assim, num dos poemas do livro Matéria de Poesia, ele faz o elogio à poesia, mas não, a meu ver, enquanto género literário. É mais do que isso. É a poesia enquanto vida, enquanto modo de vida (“todas as coisas cujos valores podem ser / disputados no cuspe à distância / servem para poesia”), enquanto (des)importância das coisas e busca pelo seu peso certo (“tudo aquilo que a nossa / civilização rejeita, pisa e mija em cima, serve para poesia”). Na obra vê-se um discurso dialogante. Os diálogos, principalmente na segunda parte do livro, dão-lhe vivacidade e dinamismo, a par com a pontuação expressiva (pontos de interrogação, exclamação e reticências).

            Dá-se no poeta como que uma reciclagem dos materiais poéticos. E isto também se explica com o facto de ele tudo tratar como Coisa, até aquilo que de mais humano há. Tudo é aproveitável, porque transformável, fundível (quase que a máxima de Lavoisier se aqui aplica). Há linguagens que se atravessam e deixam o seu uso normal em ordem a experimentarem um outro. Ainda no mesmo livro, ilustrando isso, diz o poeta: “a cidade mancava de uma rua até certo ponto; depois os cupins a comiam”. Este entrecruzar de linguagens, normalmente dentro do contraste interno da mesma dicotomia homem/coisa, sendo dinâmico, ora com imagens, ora com metáforas (por vezes próximas da alegoria), serve para encurtar as distâncias entre tudo, apresentando, em minha opinião, uma consciência de vida em sociedade, na coesão de um grupo. E que sentido tudo isto faz vivendo o autor num país que tem atravessado toda espécie de problemas, a que ninguém é (ou pode ser) alheio.


            Escrever é perpetuar um momento, verdadeiro ou não. Não escrever e sentir é respeitar a natureza (de passagem) do seu exército de músculos e civilizações de saudade. Diferente de gostar de escrever é apreciar sentir a língua invisível nas palavras quando surgem e se alojam num texto. Tudo isto se representaria num círculo que começaria em branco, apenas com o contorno a negro. O ponto central também estaria a negro e seria a fortaleza a que damos o nome de «sentir». Quando o acto começa, e as palavras surgem, o círculo começaria a colorir-se, de fora para dentro, com uma cor forte (podia ser vermelho). Com essa cor galopante dar-se-ia, ou não, a erosão da areia branca desse branco por colorir. A partir daí veríamos de que modo a fortaleza, o nosso ponto que indica o sentir, reagiria. Se se manteria inalterado esperando que o mar vermelho lhe tocasse, se sofreria com o efeito de arrastamento que o branco restante arrastado pela cor sofreria, se procuraria um outro círculo. Se o objectivo do acto fosse verdadeiro, a naturalidade do vermelho chegaria ao ponto negro, cobrindo todo o branco, o branco que representa o vazio. O ponto negro manter-se-ia inalterado naquele momento, deixando-se banhar a penumbra do bem-estar. Dentro desta minha imagem teórica, a poesia de Manoel de Barros surge como esta penumbra do bem-estar: o ponto negro no meio do círculo, com vermelho à volta. Há no autor, em função desta naturalidade, um escrever não escrevendo. Barros não faz da realidade e da escrita (com ficção ou sem ficção) realidades estanques. Ambas fazem parte do viver.

Poemas seleccionados de Manoel de Barros:
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INFANTIL
.
O menino ia no mato
E a onça comeu ele.
Depois o caminhão passou por dentro do corpo do menino
E ele foi contar para a mãe.
A mãe disse: Mas se a onça comeu você, como é que
o caminhão passou por dentro do seu corpo?
É que o caminhão só passou renteando meu corpo
E eu desviei depressa.
Olha, mãe, eu só queria inventar uma poesia.
Eu não preciso de fazer razão.

Manoel de Barros
em Tratado geral das grandezas do ínfimo
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UM SONGO
.
Aquele homem falava com as árvores e com as águas
ao jeito que namorasse.
Todos os dias
ele arrumava as tardes para os lírios dormirem.
Usava um velho regador para molhar todas as
manhãs os rios e as árvores da beira.
Dizia que era abençoado pelas rãs e pelos
pássaros.
A gente acreditava por alto.
Assistira certa vez um caracol vegetar-se
na pedra
mas não levou susto.
Porque estudara antes sobre os fósseis linguísticos
e nesses estudos encontrou muitas vezes caracóis
vegetados em pedras.
Era muito encontrável isso naquele tempo.
Até pedra criava rabo!
A natureza era inocente.

P.S:
Escrever em Absurdez faz causa para poesia
Eu falo e escrevo Absurdez.
Me sinto emancipado.

Manoel de Barros
Inédito



PARREEDE!

Quando eu estudava no colégio, interno,
Eu fazia pecado solitário.
Um padre me pegou fazendo.
- Corrumbá, no parrrede!
Meu castigo era ficar em pé defronte a uma parede e
decorar 50 linhas de um livro.
O padre me deu pra decorar o Sermão da Sexagésima
de Vieira.
- Decorrrar 50 linhas, o padre repetiu.
O que eu lera por antes naquele colégio eram romances
de aventura, mal traduzidos e que me davam tédio.
Ao ler e decorar 50 linhas da Sexagésima fiquei
embevecido.
E li o Sermão inteiro.
Meu Deus, agora eu precisava fazer mais pecado solitário!
E fiz de montão.
- Corumbá, no parrrede!
Era a glória.
Eu ia fascinado pra parede.
Desta vez o padre me deu o Sermão do Mandato.
Decorei e li o livro alcandorado.
Aprendi a gostar do equilíbrio sonoro das frases.
Gostar quase até do cheiro das letras.
Fiquei fraco de tanto cometer pecado solitário.
Ficar no parrrede era uma glória.
Tomei um vidro de fortificante e fiquei bom.
A esse tempo também eu aprendi a escutar o silêncio
das paredes.

Manoel de Barros
em Memórias Inventadas, 
As infâncias de Manoel de Barros
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APRENDIMENTOS

O filósofo Kierkegaard me ensinou que cultura é
o caminho que o homem percorre para se conhecer.
Sócrates fez o seu caminho de cultura e ao fim
falou que só sabia que não sabia de nada. Não tinha
as certezas científicas. Mas que aprendera coisas
di-menor com a natureza. Aprendeu que as folhas
das árvores servem para nos ensinar a cair sem
alardes. Disse que fosse ele caracol vegetado
sobre pedras, ele iria gostar. Iria certamente
aprender o idioma que as rãs falam com as águas
e ia conversar com as rãs. E gostasse mais de
ensinar que a exuberância maior está nos insetos
do que nas paisagens. Seu rosto tinha um lado de
ave. Por isso ele podia conhecer todos os pássaros
do mundo pelo coração de seus cantos. Estudara
nos livros demais. Porém aprendia melhor no ver,
no ouvir, no pegar, no provar e no cheirar. Chegou
por vezes de alcançar o sotaque das origens.
Se admirava de como um grilo sozinho, um só pequeno
grilo, podia desmontar os silêncios de uma noite!
Eu vivi antigamente com Sócrates, Platão, Aristóteles –
esse pessoal. Eles falavam nas aulas: Quem se
aproxima das origens se renova. Píndaro falava pra
mim que usava todos os fósseis linguísticos que
achava para renovar sua poesia. Os mestres pregavam
que o fascínio poético vem das raízes da fala.
Sócrates falava que as expressões mais eróticas
são donzelas. E que a Beleza se explica melhor
por não haver razão nenhuma nela. O que mais eu sei
sobre Sócrates é que ele viveu uma ascese de mosca.


Manoel de Barros
em Memórias Inventadas, 
As infâncias de Manoel de Barros
.
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ÁRVORE

Um passarinho pediu a meu irmão para ser a sua árvore.
Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.
No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de
sol, de céu, e de lua mais do que na escola.
No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo
mais do que os padres lhes ensinavam no internato.
Aprendeu com a natureza o perfume de Deus.
Seu olho no estágio de ser árvore aprendeu melhor
o azul.
E descobriu que uma casca vazia de cigarra esquecida
no tronco das árvores só presta para poesia.
No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as
árvores são vaidosas.
Que justamente aquela árvore na qual meu irmão se
transformara, envaidecia-se quando era nomeada para
o entardecer dos pássaros.
E tinha ciúmes da brancura que os lírios deixavam nos
brejos. Meu irmão agradeceu a Deus aquela
permanência em árvore porque fez amizade com muitas
borboletas.

Manoel de Barros
em Ensaios Fotográficos


RETRATO QUASE APAGADO EM QUE SE PODE VER PERFEITAMENTE NADA

1.

Gravata de urubu não tem cor.
Fincando na sombra um prego ermo, ele nasce.
Luar em cima de casa exorta cachorro.
Em perna de mosca salobra as águas se cristalizam.
Besouros não ocupam asas para andar sobre fezes.
Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina.
No osso da fala dos loucos têm lírios.

3.

Tem 4 teorias de árvore que eu conheço.
Primeira: que arbusto de monturo agüenta mais formiga.
Segunda: que uma planta de borra produz frutos ardentes.
Terceira: nas plantas que vingam por rachaduras lavra um poder mais lúbrico de antros.
Quarta: que há nas árvores avulsas uma assimilação maior de horizontes.

7.

Uma chuva é íntima
Se o homem a vê de uma parede umedecida de moscas;
Se aparecem besouros nas folhagens;
Se as lagartixas se fixam nos espelhos;
Se as cigarras se perdem de amor pelas árvores;
E o escuro se umedeça em nosso corpo.

9.

Em passar sua vagínula sobre as pobres coisas do chão, a
lesma deixa risquinhos líquidos...
A lesma influi muito em meu desejo de gosmar sobre as
palavras
Neste coito com letras!
Na áspera secura de uma pedra a lesma esfrega-se
Na avidez de deserto que é a vida de uma pedra a lesma
escorre. . .
Ela fode a pedra.
Ela precisa desse deserto para viver.

11.

Que a palavra parede não seja símbolo
de obstáculos à liberdade
nem de desejos reprimidos
nem de proibições na infância,
etc. (essas coisas que acham os
reveladores de arcanos mentais)
Não.
Parede que me seduz é de tijolo, adobe
preposto ao abdomen de uma casa.
Eu tenho um gosto rasteiro de
ir por reentrâncias
baixar em rachaduras de paredes
por frinchas, por gretas - com lascívia de hera.
Sobre o tijolo ser um lábio cego.
Tal um verme que iluminasse.

12.

Seu França não presta pra nada -
Só pra tocar violão.
De beber água no chapéu as formigas já sabem quem ele é.
Não presta pra nada.
Mesmo que dizer:
- Povo que gosta de resto de sopa é mosca.
Disse que precisa de não ser ninguém toda vida.
De ser o nada desenvolvido.
E disse que o artista tem origem nesse ato suicida.

13.

Lugar em que há decadência.
Em que as casas começam a morrer e são habitadas por
morcegos.
Em que os capins lhes entram, aos homens, casas portas
a dentro.
Em que os capins lhes subam pernas acima, seres a
dentro.
Luares encontrarão só pedras mendigos cachorros.
Terrenos sitiados pelo abandono, apropriados à indigência.
Onde os homens terão a força da indigência.
E as ruínas darão frutos

Manoel de Barros
em O Guardador de Águas
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Obra inclui:
  • 1937 — Poemas concebidos sem pecado
  • 1942 — Face imóvel
  • 1956 — Poesias
  • 1960 — Compêndio para uso dos pássaros
  • 1966 — Gramática expositiva do chão
  • 1974 — Matéria de poesia
  • 1980 — Arranjos para assobio
  • 1985 — Livro de pré-coisas
  • 1989 — O guardador das águas
  • 1990 — Gramática expositiva do chão: Poesia quase toda
  • 1993 — Concerto a céu aberto para solos de aves
  • 1993 — O livro das ignorãças
  • 1996 — Livro sobre nada
  • 1996 — Das Buch der Unwissenheiten - Edição da revista alemã Akzente
  • 1998 — Retrato do artista quando coisa
  • 2000 — Ensaios fotográficos
  • 2000 — Exercícios de ser criança
  • 2000 — Encantador de palavras - Edição portuguesa
  • 2001 — O fazedor de amanhecer
  • 2001 — Tratado geral das grandezas do ínfimo
  • 2001 — Águas
  • 2003 — Para encontrar o azul eu uso pássaros
  • 2003 — Cantigas para um passarinho à toa
  • 2003 — Les paroles sans limite - Edição francesa
  • 2003 — Todo lo que no invento es falso - Antologia na Espanha
  • 2004 — Poemas Rupestres
  • 2005 — Riba del dessemblat. Antologia poètica — Edição catalã (2005, Lleonard Muntaner, Editor)
  • 2005 — Memórias inventadas I
  • 2006 — Memórias inventadas II
  • 2007 — Memórias inventadas III
  • 2010 — Menino do Mato
  • 2010 — Poesias Completas
Artigo de Sylvia Beirute
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4 comentários:

  1. eu gosto muito de manoel do barros e he traduzido un poema de su livro o guardador de águas
    Enhorabuena

    ResponderEliminar
  2. O site está ótimo, mas podia ter mais poesias

    ResponderEliminar
  3. O site e ótimo mas podia ter poesias pequenas do Manoel de barros e mais poesias infantis

    ResponderEliminar
  4. O site está ótimo, mas podia ter mais poesias infantis e poesias pequenas

    ResponderEliminar