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domingo, 12 de setembro de 2010

JOEL HENRIQUES e "A CLARIDADE"

O poeta Joel Henriques publicou no Verão de 2008 (pela Casa do Sul, recém-renomeada Editora Licorne) um livro de poemas com o singelo título A Claridade, e que, por aquilo que introduziu na poética portuguesa, é merecedor destas palavras, ainda que tardias. Os poemas deste livro dirigem-se a um universo de limites e de suas transposições, de palavras que adquirem significados diferentes consoante a voz que comanda, o seu tom, o poder instável de cada sílaba. Há aqui uma certa falta de consciência que é, passe a contradição, conscientemente usada para a descoberta da novidade, do renascimento em cada momento, ou do mero recuo e reformulação. Por outro lado, os sentidos assumem algum destaque ao longo da obra e é normal ver-se aquilo que é próprio de um sentido ser entregue a outro, como que maximizando esses sentidos, servindo ao leitor uma série de sensações misturadas ("talvez o único horizonte / seja esta temperatura"; poema Distância, pg. 57). Em Joel Henriques há uma espécie de falsa leveza. Leveza porque os poemas não são extensos, estão separados por estrofes (não existem poemas de estrofe única), e permitem alguma respiração, até pela escolha (acertada) de palavras não eruditas. Mas falsa porque o verdadeiro sabor do poema vem depois da sua leitura, após o seu final, na progressiva densificação dos seus elementos na voz já silenciada de quem leu. É um conjunto de poemas que irei continuamente descobrir, sendo que apenas o que tem muita qualidade é digno desta descoberta contínua, desta busca incessante por novas direcções em relação a um mesmo objecto de arte. Que venham mais livros como este, raros nos tempos que correm. A poesia de língua portuguesa agradece. 

Alguns poemas de A Claridade, de Joel Henriques:

OUTRO ROSTO

Desconheço o rosto de quem mais recordo.
sei que permanece depois
da despedida
na claridade possível.

Agora não tem características,
superfície onde nada se fixa,
tão próxima e desmedida
que sobressai
apenas uma luz deserta.

Nunca guardei o seu relevo,
só a vertigem e o abismo.

Mas reconheço-o sempre
e não lembro da mesma forma
o que apresenta um rosto nítido.

(também publicado na Revista Relâmpago n.º 21)

*

POEMA INCOMPLETO

Este poema nascerá com o dia
naquele instante inteiro, ausente de limites.

Só o encontrarei diante do rosto
da eterna novidade.

As suas palavras serão ditas por outras vozes
e terão uma pulsação verdadeira.
Apenas o terminarei quando algo nascer,
não quando tiver preenchido
as páginas sempre incompletas.
Virá nos ritmos primordiais onde vive.

*

OUTRO POEMA

Nunca escreverei um último poema.
Depois do que disser,
Haverá sempre as frases do improvável.

A aceitação revelará o limite desejado,
Mais nítido
Do que todos os que poderia encontrar.

Não me pertence a última palavra
E não deixarei lembranças.

Apontarei para a dispersão
Por meio de um afectuoso silêncio.
 
*

artigo de Sylvia Beirute

1 comentário: