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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

LUIS CERNUDA - CARTA A EUGÉNIO DE ANDRADE

























CARTA A EUGÉNIO DE ANDRADE

Tres Cruces,11
Coyacán
México, D. F.
México
Março 3, 1959

Desde há dias que queria escrever-lhe e agradecer-lhe o seu livro "Coração do Dia"; mas não tinha nem tenho a certeza que a sua direcção mudou, pois no envelope onde vinha o seu livro aparece como Rua Coelho Neto, nº 40 B, 1º. Seja como for, vou enviar esta carta para essa direcção.


Essa demora deu-me tempo para ler e reler os seus versos, cheios de uma magia tão penetrante, de uma formosura irresistível.
Como eu já observava nos livros "As Mãos e os Frutos" e "Até Amanhã", e porventura ainda mais evidente neste "Coração do Dia", V. tem o dom raro de fazer que visão e expressão coincidam até ao ponto de que a segunda pareça o prolongamento, a demora saborosa da primeira. Por isto, as suas palavras não pesam, de modo diferente do que acontece com as castelhanas, tão pesadas às vezes que são, ou parecem, rudes. O olhar e o som tornam-se aí carícia suavíssima, como de um pluma, uma asa.
Que achado é o breve poema final do livro, "Despertar". E não só num poema tão curto, mas noutro dos que mais gosto (na verdade, quase não posso ter preferência entre eles, tanto me atraem todos), a "Pequena Elegia de Setembro", no qual me comove um idêntico dom de espiritualizar, graças à visão e expressão angélica, o nosso mundo, as nossas emoções, as nossas criaturas.
Por vezes (perdoe a minha conjectura, ao falar de coisas que sei insuficientemente) parece-me achar nos seus versos um eco das cantigas de amigo, a que V. se referia numa das suas cartas; a mesma ternura melancólica, a mesma música de som e de ritmo.
Vejo que nada lhe disse sobre o poema "Entre Março e Abril", que me dedica, e que eu já conhecia do ano passado. Quanto lho agradeço, caro amigo.
Um abraço do seu admirador,

Luis Cernuda
Tradução de José Bento
Em "Cartas a Eugénio de Andrade"
.

1 comentário:

  1. Gostei de ler a carta e de perceber quão fácil é a transversalidade entre poetas. A magia da poesia de Eugénio de Andrade está bem expressa nesta simples carta de um poeta para outro. "A mesma ternura melancólica, a mesma música de som e de ritmo". Nem mais.

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