O POEMA INFINITO (29): A CHAMA
Penso na clara noite que se suspende no dia que há-de vir. É esse o objectivo da luz. O meu destino funde-se nos teus olhos fixos nas pautas de música sacra. Sou eu que me abro nos desígnios do vento eventualmente autêntico pela identidade da poesia. O meu desejo abre um espaço certo onde a voz dos sonhos recomeça a nascer. Sou agora fogo. No enunciado das pedras que piso sinto o intervalo entre o caminho e o caminhante. A minha vereda existe nas palavras que ardem. Essa é agora a minha condição. A certeza dos rostos, a brancura da liberdade, os fios luminosos da paz, a memória longínqua do cântico dos galos, o rosto húmido da terra. Todas as evidências se comovem. O sussurro das lâminas do sofrimento acompanha o passado. O céu eterno visita-nos no espelho da memória. Semeio nos livros as sementes da pureza. E neles regresso a uma idade nova. Existe sempre um caminho para lado nenhum. Um atalho que conduz ao sono. Propago-me de montanha em montanha ouvindo o silêncio dos pássaros. É neles que pressinto a raiz do tempo. A infeliz extensão da morte. No meio das pedras nascem as ervas que olham a nascente rente ao chão. Da pureza da água sai o mutismo do vento. Sonho com uma manhã de poemas e poetas ascendentes onde as palavras se renovam na orla dos trilhos antigos. O ar estremece na língua viva do vento. Bebo a cor do mar e teço o promontório da paixão. Da superfície das algas ergue-se a cabeça dos peixes que acreditam em sermões. Caminhamos agora na terra que somos. Todo o espaço é uma pequena ponte. Pequenas gotas de esperança sulcam-nos a pele engelhada. Descemos os degraus dos dias que hão-de vir enquanto as fontes persistem na sua sede de terra. A vida continua a iluminar-nos o caminho como a chama de uma candeia ao vento.
João Madureira
lido no Terçolho
.
Tocou-me a linguagem explosiva do poeta. Gostaria de saber mais acerca dele. Um beijo.
ResponderEliminarJB