Sempre gostei muito de antologias de poesia. Remetem-me para caminhos logo de seguida contrariados por outros, anos tão diferentes no espírito, quando não maneiras de escrever recortadas de uma forma não inteiramente igual. Por isso, é com enorme prazer que leio um livro como Mesmo Poemas, antologia de poesia de um poeta brasileiro jovem (São Paulo, 1986) mas com uma rara maturidade, notando-se um cuidado natural (no sentido de nunca forçado) na redação de uma poesia de grande qualidade e que se situa entre os pólos do lírico e do contemporâneo e inovador. Esse poeta é Renan Nuernberger e este Mesmo Poemas reproduz a poesia escrita pelo autor entre 2006 e 2010.
NESTA RUA O QUE VEJO
Nesta rua o que vejo são
homens, mãos de estranhos
gestos, sem manchas os
sapatos e o terno
(remetem-me àquilo
que penso, esses homens:
é deixá-los sozinhos
que as taras se enervam
e do cóccix a mostra
recriam o sexo, outros
bebem o defunto, ganham
o sorteio, outro cega,
outra caga, esses
gomos de gente seguem
como, se livres, fossem
inteiros) de linho tramado
a compor-se no corpo
como, se carapuça,
caminhassem juntos.
*
DISCURSO EM PÓ
Em tempos de solavanco
Depositam-se esperanças
Na inércia.
Diante de imensa escassez
Só o excesso submerge
Válido.
O universo — para olhos
Crédulos — recompõe-se:
Astros celestes continuam
Suas revoluções e bactérias
Proliferam-se na água.
O universo — não
O humano — recompõe-se:
Não haverá de memória
Da carne morta
Nem um suspiro, nem um soco.
*
POEMA DE AMOR
o coração saltava-lhe da boca
embora os tempos não fossem de lírios
embora os tempos não fossem de azálea
o órgão exposto servia-lhe de ornamento
causando em sua amiga um espesso vômito
embora os tempos não fossem orgânicos
Poemas de Renan Nuernberger
em Mesmo Poemas (Ed. Selo sebastião Grifo)
.
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