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terça-feira, 6 de julho de 2010

Um texto interessante sobre o abstraccionismo

A VERDADE SOBRE PEQUENOS MUNDOS ABSTRATOS

Gêneses

No começo do século XX insurgiram nos meios científicos, inúmeras teorias responsáveis por desestruturar o pensamento e o comportamento convencional. Darwin questionando o processo divino da origem das espécies; Nietzsche pondo em dúvida a moral cristã em favor da doutrina da “vontade”; mesmo Marx declarou a religião sendo o ópio da humanidade. Freud ao analisar o subconsciente do homem e os impulsos sexuais põe em dúvida a base moral da sociedade. Até mesmo o desenvolvimento da tecnologia e ciência nas áreas da física e química promoveu certa instabilidade, Einstein com a sua teoria da relatividade questionando e pondo em dúvida certezas estabelecidas desde o século XVII enquanto Rutherford (em 1909) dividia átomos. Num âmbito social, o rápido crescimento do capitalismo industrial e o distanciamento dentro do antagonismo proletário-burguês levaram à revoltas e a popularização do socialismo pela Europa.
É nesse contexto de crise, guerra, questionamento que irrompe o abstracionismo. Artistas como Wassily Kandinsky, Paul Klee, Piet Mondrian, Kasimir Malevich e Hans Arp se voltam para a abstração que se baseava menos nas formas de um mundo incerto e em mutação, para consolidar a arte em valores universais, através da filosofia e em doutrinas místicas. Ao renunciar o “materialismo sem alma” (Kandinsky) do século dezenove estes esperam encontrar um novo foco espiritual para o futuro.
O abstracionismo intriga a maioria das pessoas que o contemplam. Talvez pela aparente contradição de formas, a desvinculação do mundo pictórico até então proposto, a simplicidade da composição… Por ser de difícil compreensão e julgamento, geralmente é desvalorizada. Isso se dá por que a “maioria das pessoas está mais familiarizada com o conteúdo do que com a forma” (Paul Klee, On Modern Art, 11).

Diferentemente de retratos e paisagens que representam a realidade pictórica, a pintura abstrata julga o invisível, mede as sensações e avalia a essência das coisas utilizando-se de elementos básicos da pintura. Sua teorização foi feita por Paul Klee e predominantemente por Kandinsky (este apelidado pelos críticos, por ser um assíduo defensor de sua arte, como “advogado abstracionista”).
Para Paul Klee os elementos da arte abstrata estavam seccionados em três: Medida, caracterizada pelos elementos gráficos empregados numa pintura (linha, traço, ângulo, plano); Peso, caracterizado pela sombra (sendo esta determinada pelo grau de claridade e escuridão empregado); e por fim a Qualidade da pintura, sendo esta determinada pela cor. Porém não a cor avaliada individualmente em efeito, mas a harmonia desenvolvida entre elas, junto com a medida e o peso do quadro.
De outra forma Kandinsky avalia os elementos da arte abstrata. No livro “O futuro da Pintura”, ele expõe sucintamente os fundamentos da arte abstrata, enunciando e teorizando sua estética. Ao combinar a teoria das cores de Goethe com representações geométricas simples, Kandinsky tenta mostrar como as formas se relacionam com cores específicas. Círculo, triângulo e quadrado combinam-se com as três cores primárias azul, amarelo e vermelho, respectivamente, e através desse amálgama formula relações de harmonia e dissonância. Também de forma sinestésica especula a forma e o som, propondo uma tentativa de colocá-las numa ordem sistemática em relação aos espectros e tonalidades da música:
Amarelo: trompete
Laranja: viola
Vermelho: tuba
Violeta: fagote
Azul: violoncelo, contrabaixo, ou órgão
Verde: violinos
No livro “ponto, linha frente ao plano” Kandinsky trata de estabelecer os fundamentos de uma nova linguagem artística baseada na retirada de elementos “supérfluos” da pintura. Aquilo que não justificava plenamente seu direito de existir era eliminado do quadro. O ponto, a linha e o plano são os objetos subjugados pelo rigor intelectual a fim de elevar o caráter intuitivo à categoria de conhecimento. Não se trata obviamente do estudo da geometria, mas do aspecto dúbio destes elementos, considerando o exterior do símbolo e seu significado interior, mais profundo. Kandinsky discute a arte de uma perspectiva “sinestética”, onde os elementos básicos da pintura (ponto, linha e plano) são relacionados com os elementos básicos da música (nota, melodia, tempo, harmonia) e as sensações evocadas pela melodia também são trazidas para o plano da pintura.
Quando um pintor pré Kandinsky pintava uma árvore, captava seu significado pictórico, seu valor estético, representando um objeto em que as raízes possuíam seiva, o tronco servia como lenha e a copa produzia frutos. Ao representar uma árvore o pintor “abstracionista” se expressa através dos sentimentos que a planta evoca nele, captando sua essência de forma sinestésica (não apenas a figuração), abstraindo dela linhas, figuras geométricas coloridas, planos inclinados. Esta, segundo Kandinsky, é a verdadeira representação da matéria.
Como as outras vanguardas, a arte abstrata incita o observador a uma análise mais apurada, não como significado temático, mas por tratar de questões sensoriais primitivas*. É essa análise que será desenvolvida neste ensaio, não de forma geral, mas exumando uma das obras de um dos maiores representantes dessa arte: Wassily Kandinsky (1866-1944). A obra em destaque é uma da série Pequenos Mundos, Pequenos Mundos VII. Essa série foi produzida para a editora Propylaen, após sua chegada em Weimar para lecionar na Bauhaus (1922). Em algumas semanas compôs quatro litografias a cores, quatro xilogravuras e quatro gravuras a água forte, um conjunto que implica numa variedade de técnicas e composições.

* “Kandinsky se propôs reproduzir experimentalmente o primeiro contato do ser humano com o mundo do qual não se sabe nada, nem sequer se é habitável” – Argan, 1992, 446


Pequenos Mundos VII


























A sétima composição da série “Pequenos Mundos” (Litografia impressa em cores azul, amarelo, verde e preto sobre papel, dimensionada em imagem 27,2 x 23,4 cm num papel de 35,4 x 28,4 cm) foi produzida no outono de 1922 no período em que Kandinsky iniciava sua carreira como professor na Escola Bauhaus. Animado com as idéias modernistas de Walter Gropius para a escola, o artista russo interpela a nova experiência de forma a introduzi-la em sua arte.
Para avaliar a pintura de Kandinsky, é viável contemplar a arte como ele mesmo a fazia através da estética – “Essa primeira experiência com a realidade” (ARGAN, 1992, 446) – e abstraindo de qualquer análise mais cerebral de imediato discutiremos alguns aspectos estéticos da obra que são relevantes, em função dessa primeira impressão.

Sobre pequenos mundos amarelos, azuis e verdes


























Saturando o quadro evidenciam-se as cores empregadas: amarelo, azul e verde. Estas estão distribuídas na porção direita superior. A disposição do elemento circular amarelo no canto esquerdo superior com o elemento azul posicionado no canto direito inferior secciona o quadro pela metade segundo uma diagonal (evidenciada de vermelho). Esta distinção entre direita superior colorida e esquerda inferior negra tenciona o quadro. O amarelo, que segundo Kandinsky era expansivo se posiciona de forma a se estender sobre o vazio negro. O azul, cor austera, remete junto com o preto um caráter onírico. O verde é “uma equilibrada mistura de azul e amarelo… O movimento horizontal se interrompe; tal como aquele que tanto provém como se dirige ao centro. O efeito da alma através do olho é, assim, imóvel. Esse é um fato reconhecido não apenas por óticos como por todo mundo. O verde é a cor mais relaxante que existe. Em seres humanos extenuados ela exerce um efeito benéfico, mas depois de certo tempo torna-se desgastada; isso contrasta com o calor ativo do amarelo ou do azul escuro”. Para não desgastar a tonalidade da pintura, Kandinsky simula um movimento cromático através da distribuição das formas coloridas e não coloridas no quadro. O elemento verde se desdobra em outros de cores azuis e amarelas, causando um efeito de explosão ou de penetração do observador na tela.

Sobre pequenos mundos geometrizados 

























O quadro é composto por linhas de construção baseadas nos elementos geometricos. Essas linhas estão dispostas a formar planos que divergem de um ponto localizado na porção superior do quadro. A concentração das cores junto ao ponto de partida dos planos se dilui à medida que se desloca para as extremidades do quadro. Esse “ponto de fuga” proposto por essas linhas dá uma noção de profundidade e o deslocamento das cores por essas linhas gera movimento (um ritmo cadenciado pelas formas) criando espaço. Com fluidez taciturna das formas penetrando no negro do quadro, Kandinsky sinestesicamente cria a mesma sensação de fluidez que a música gerava. Como no resto da obra “Pequenos Mundos”, Kandinsky “tentou ilustrar uma espécie de basso continuo da pintura, uma gramática dos elementos formais, tal como os havia concebido como base de uma nova interpretação da pintura na Bauhaus” (Koehler, Karen; Kandinsky’s “Kleine Welten” and Utopian City Plans).

O poema XI do Canto II (Subsolo e Supersolo) de forma sucinta e jucunda assemelha-se com a obra de Kandinsky apresentada previamente. Talvez pelo orfismo, ou pela relação de imagens oníricas; é também pela semelhança de elementos e contrastes, o hermetismo da poesia e a expansão concêntrica dos elementos que torna um anexo ao outro.
Não concluirei este trabalho de forma a garantir uma definição contundente sobre Kandinsky. Este tornou a arte mais sensível, espiritualizou a pintura abrindo portas a serem freqüentadas e invenções a serem reinventadas. Invenções estas já deram frutos. De forma leve, poética, porei em diálogo influenciante e influenciado. Kandinsky e Jorge de Lima dialogam. 



























O quadro é composto por linhas de construção baseadas nos elementos geometricos. Essas linhas estão dispostas a formar planos que divergem de um ponto localizado na porção superior do quadro. A concentração das cores junto ao ponto de partida dos planos se dilui à medida que se desloca para as extremidades do quadro. Esse “ponto de fuga” proposto por essas linhas dá uma noção de profundidade e o deslocamento das cores por essas linhas gera movimento (um ritmo cadenciado pelas formas) criando espaço. Com fluidez taciturna das formas penetrando no negro do quadro, Kandinsky sinestesicamente cria a mesma sensação de fluidez que a música gerava. Como no resto da obra “Pequenos Mundos”, Kandinsky “tentou ilustrar uma espécie de basso continuo da pintura, uma gramática dos elementos formais, tal como os havia concebido como base de uma nova interpretação da pintura na Bauhaus” (Koehler, Karen; Kandinsky’s “Kleine Welten” and Utopian City Plans).

A Invenção de Orfeu e Seus Pequenos Mundos

A criação e consolidação da identidade abstrata de Kandinsky foram tão marcantes que influenciaram e influenciarão a vida e obra de muitos outros artistas. No Brasil induziu (e interveio de forma subjetiva) a poesia da terceira geração modernista, mais especificamente Jorge de Lima e Murilo Mendes, onde estes trabalharam o sentido sinestésico da poesia, por meios cromáticos e melódicos. Expressaram o subconsciente através do fluxo livre de consciência, da escrita automática, das imagens fortes espontâneas, da enumeração caótica e principalmente pelas técnicas de montagem e colagem. No livro “Invenção de Orfeu”, Jorge de Lima se apropria de estéticas “Kandinskyanas” e desenvolve uma poesia hermética e ponderada, livre do excesso de elementos. Tzvetan Todorov reconhece no poema hermético uma “desqualificação do referente e destruição do sentido”. Esta poesia quase sempre manipulando significados encobertos, enfatiza e eleva os “estratos sonoros, rítmicos e morfológicos do signo lingüístico.” (Leal, Claudio Murilo; Invenção de Orfeu, pg. 9).

A mão de Orfeu enorme destra
Abateu-se no peito, funda ausência,
Tão suave inexistente mão;
Foi delação das coisas,
Inibida mão, ecos martelando-a,
Ecos que são cruéis e inexoráveis
Como as sublevações que retornaram
E retornaram quando o deus construía;
E agora há éguas nulas nos silêncios,
As éguas da fecundação final
Planturosas e cheias de pistilos
Viscosos como suas lesmas,
Vermelhos com seus relinchos que martelam
A mão êxul de Orfeu, os retinidos ecos
Temperados de cor, eram dele, de Orfeu
Deus sonoro e terrível, hoje vago, vago
Tão vago como sua vaga destra;
Nem mais diuturna nem com os androceus
Dos dedos musicais, amanha cinco
Apenas dedos reais humanos, cinco
Apenas, cinco sinos sem seus íris;
Funda submersão desse deus,
Agora com seu deão de cerimônias
Inventando-lhe a mão ao seio dos infernos,
Contando-lhe até cinco apenas dedos
Fiéis à delação desse deão que aponta
A aparência de Orfeu.

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Bibliografia

• ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. 2nda ed. São Paulo: Editora Schwarcz LTDA. 2008
• Klee, Paul. On modern Art. Penguin Faber. 1966
• Wassily Kandinsky. Point and Line to Plane. Dover Publications, Nova York.
• Wassily Kandinsky, M. T. Sadler (Tradutor). Concerning the Spiritual in Art. Dover Publications, Nova York.
• Moszynska, Anna. Abstract art (World of Art). Thames & Hudson; edição reimpressa (January 17, 1990)
• Koehler, Karen. Kandinsky’s “Kleine Welten” and Utopian City Plans – Journal of the Society of Architectural Historians, Vol. 57, No. 4 (Dec., 1998), pp. 432-447
• Farias, José Niraldo. O surrealismo na poesia de Jorge de lima. Editora Puc-RS.
(marcos saad)

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