não nasci em montes claros. não tenho nome completo.
não sou professor. não consegui conciliar nada com a
literatura. nunca publiquei nada. atualmente não resido
em porto alegre. não me chamo eduardo veiga. não
escrevo poesia há mais de 15 anos. não estou
organizando meu primeiro livro. não sou graduado em
letras. não acredito que a poesia seja necessária. não
estou concluindo nenhum curso de pedagogia. não
colaboro em nenhum suplemento literário. não estou
presente em todos os movimentos culturais da minha
terra. não sou membro da academia goiana de letras.
não trabalho como assessor cultural da sec. meus pais
não foram ligados ao cinema. não tenho tema preferido.
não comecei a fazer teatro aos 12 anos. não me
especializei em literatura hispano-americana. não tenho
crônicas publicadas n’o republica de lisboa. não passei
minha infância em pindamonhangaba. não canto a
esperança. não recebi nenhuma premiação em concurso
de prosa e poesia. não tenho sete livros inéditos. não
sou considerado um dos maiores poetas brasileiros.
nunca fui convidado para dar palestras em
universidades. não vejo poesia em tudo. não faço parte
do grupo noigrandes. não me interesso por literatura
infantil. não sou casado com o poeta afonso ávila. na
minha estréia não recebi o prêmio estadual de poesia.
o crítico josé batista nunca disse nada a meu respeito.
não sofri influência de bilac. não sou ativo, nemdinâmico.
não me dedico com afinco à pecuária. não
sou portador de vasto curriculum. não recebi mensão
nonrosa no concurso de poesia ferreira gullar. não
exerço nenhuma atividade docente, nem decente. não
iniciei minha carreira literária no exército. não fui a
primeira mulher eleita para a academia acreana de letras.
não tenho poesias traduzidas para o francês. não estou
incluído numa antologia a ser publicada no méxico.
minha poesia não é corajosa. não gosto de arqueologia.
walmir ayalla nunca me considerou um revolucionário.
nunca tentei compreender o homem na sua totalidade.
não vim para o brasil com 5 anos de idade. não aprendi
russo para ler maiakowski. meu pai não é chileno. não
sou virgem, sou capricórnio. não sou mãe de seis
filhos. nunca escrevi contos. não me responsabilizo
pelos poemas que assino. não sou irônico. não
considero drummond o maior poeta da língua
portuguesa. não gosto de andar de bicicleta. não sou
chato. não sei em que ano aconteceu a semana de 22.
não imito ninguém. não gosto de rock. não sou primo
dos irmãos campos. não sou nem quero ser crítico
literário. nunca me elogiaram. nunca me acusaram de
plágio. não te amo mais. minha poesia nunca veiculou
nada. não sei o que vocês querem de mim. não espero
publicar nenhum romance. não sou lírico. não tenho
fogo. não escrevi isto que vocês estão lendo.
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o pai berra e no filho nascem chifres
a mãe pasta no jardim da praça
o pai prefere a grama da vizinha
entre os seios da filha mais velha
brotam mamas
mas apesar de tudo
não aconteceu nada
e unida a família bovina
entra pro curral
(em "Iogurte com Farinha", 1977 )
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senhores turistas,
eu gostaria de frisar mais uma vez
que nestes blocos de apartamentos
moram inclusive pessoas normais
(em "Grande Circular", 1978)
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RECEITA
Ingredientes:
dois conflitos de gerações
quatro esperanças perdidas
três litros de sangue fervido
cinco sonhos eróticos
duas canções dos beatles
Modo de Preparar:
dissolva os sonhos eróticos
nos dois litros de sangue fervido
e deixe gelar seu coração
leve a mistura ao fogo
adicionando dois conflitos
de gerações às esperanças
perdidas
corte tudo em pedacinhos
e repita com as canções dos beatles
o mesmo processo usado com os
sonhos eróticos mas desta vez
deixe ferver um pouco mais e
mexa até dissolver
parte do sangue pode ser
substituído por suco de groselha
mas os resultados não serão
os mesmos
sirva o poema simples
ou com ilusões
(em "Caroço de Goiaba", 1978)
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estou começando a perder
o medo que tenho das pessoas
já pego na mão
da minha namorada
(em "Chá com Porrada", 1978)
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te amo
24 horas
por segundo
(em "Bagaço", 1979)
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os três poderes são um só:
o deles
(em "Brasiléia Desvairada", 1979)
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nossa senhora do cerrado,
protetora dos pedestres
que atravessam o eixão
as seis horas da tarde,
fazei com que eu chegue
são e salvo na casa da noélia
(em "Entre Quadras", 1979)
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SQS415F303
SQN303F415
NQS403F315
QQQ313F405
SSS305F413
seria isso
um poema
sobre brasília?
seria um poema?
seria brasília?
(em "303F415", 1980)
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naquela noite
suzana estava
mais W3
do que nunca
toda eixosa
cheia de L2
suzana,
vai ser superquadra
assim lá na minha cama
(em "L2 noves fora W3", 1980)
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eu engoli brasília
em paz com a cidade
meu fusca vai por esses eixos,
balões e quadras, burocraticamente,
carimbando o asfalto
e enviando ofícios de estima
e consideração ao sr. diretor
(em "Porque Construí Braxília", 1993)
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DO ERIK PRA MIM
hoje eu sou do mal e você é do bem
e desta vez o mal vence no final
e eu mato você, papai
mas só no filme
(em "Pelas Lanchonetes dos Casais Felizes", 1994)
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FADIGA NEURÓTICA
minha memória futura
tem vagas lembranças
da tua peste emocional
- jamais te tocarei
jesus te ama
eu não
(em "Segredo Secreto", 1996)
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nem tudo
que é torto
é errado
veja as pernas
do garrincha
e as árvores
do cerrado
(em "Beijo de Hiena", 1993)
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BRASÍLIA ENIGMÁTICA
brasília, faltam exatos 3.232 dias
para o nosso acerto do contas
me deves um poema
te devo um olhar terno
na beira do paranoá pego um pedaço de pau
entre um pneu velho e um peixe morto
(uma garça por testemunha)
não me reconheces
não te reconheço
(em Viver Deveria Bastar, 2001)
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RIBEIRÃO DO OURO
atravessar o ribeirão,
pulando entre as pedras, é fácil
difícil é tirar aquelas pedras do lugar
viver é tirar pedras do lugar
recordar é tentar colocá-las de volta
(em "Menino Diamantino", 2003)
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Nicolas Behr (Nikolaus von Behr) nasceu em Cuiabá, em 1958. Cursou o primário com os padres jesuítas, em Diamantino, MT, onde os pais eram fazendeiros. Mudou-se para a capital aos 10 anos e queria ser geólogo. Mora em Brasília desde 1974. Em 1977 lançou seu primeiro livrinho e best seller “Iogurte com Farinha”, em mimeógrafo, tendo vendido 8.000 exemplares de mão-em-mão. Em agosto de 1978, após ter escrito “Grande Circular”, “Caroço de Goiaba” e “Chá com Porrada” foi preso e processado pelo DOPS por “porte de material pornográfico”, sendo julgado e absolvido no ano seguinte. Até 1980 publicou ainda 10 livrinhos mimeografados. A partir desse ano passou a trabalhar como redator em agências de publicidade. Em 1982 ajudou a fundar o MOVE – Movimento Ecológico de Brasília, a primeira ONG ambientalista do DF. Em 1986 abandonou a publicidade para trabalhar na FUNATURA – Fundação Pró-Natureza – onde ficou até 1990, dedicando-se, desde então, profissionalmente, ao seu antigo hobby: produção de mudas de espécies nativas do cerrado. Co-autor do livro “Palmeiras no Brasil”. A partir de 1993 voltou a publicar seus livros de poesia, com “Porque Construí Braxília”. É sócio-proprietário da Pau Brasília Viveiro Eco.loja, casado desde 1986, com Alcina Ramalho e tem três filhos: Erik, Klaus e Max. Seu perfil biográfico foi traçado no vol. 1 da Coleção Brasilienses, no livro “Nicolas Behr - Eu engoli Brasília” escrito por Carlos Marcelo, lançado em 2004.
Tenho lido seus poemas e alguns outros poetas que você posta. Mas este é o primeiro que acho beeeeeeeeem ruizinho, viu. Mas ruim de dar dó. Pior que Leminski. Neste você pecou.
ResponderEliminarSilenciador...
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