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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

ANTÓNIO RAMOS ROSA - O POEMA ABERTO E NU

O POEMA ABERTO E NU

Estar no mundo é ter a experiência de uma participação e ao mesmo tempo de uma separação irredutível. A distância que o homem sente em relação ao mundo tem uma correspondência na linguagem que é constituída por significantes em que o objecto ou o referente só está presente através da distância da palavra em relação ao objecto. Por isso se pode dizer que a presença do referente na palavra é a presença da ausência. É nesta distância que o poeta cria e constitui o poema que, no seu modo de ser, não representa nem traduz, porque o poema é o fruto de uma imaginação radical que segue mais as impulsões do inconsciente do que as determinações da razão e da consciência. Por isso a poesia é indeterminável. Contra o mito da totalidade racional e contra as determinações da sociedade, a poesia erige-se fiel ao mito da integridade do ser, ou seja, da união do divino e do terrestre, segundo a tradição das sociedades primitivas e da civilização grega, por exemplo. É assim que a separação ontológica do homem pode coincidir, em certos momentos, com a unidade primeira que o ser humano conhecer nos seus primórdios. E se formos mais longe, poderemos dizer até que o poeta reactualiza por vezes a unidade da matéria inorgânica a que todo o ser vivo tende a regressar, segundo Freud. É por esta razão que o poema é originário e irredutível na sua indeterminação. As energias que o promovem diferenciam-no de todo e qualquer modelo estabelecido pela representação social ou pela racionalidade da consciência. Vemos assim que a poesia é a abertura nua que não se pode delimitar, a intimidade mais pura e mais selvagem de algo que não podemos traduzir ou determinar segundo os esquemas da compreensão racionalizante. Todavia, o poema não é um enigma. Ele é evidente na sua obscuridade ou na sua claridade ofuscante. O poema é uma manifestação da origem ou, por outras palavras, da Vida absoluta, e por isso mesmo é um mistério real. O leitor, tal como o poeta, é um cego que não tem outra luz além daquela que o poema projecta sobre si.

António Ramos Rosa,
em A Parede Azul
(Estudos sobre poesia e artes plásticas)

sobre a obra poética de António Ramos Rosa, seguir este link.
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