A Revista literária Inútil, com a qual colaborei no segundo número, tem um novo, o terceiro, pronto para ser lançado, o que acontecerá no próximo dia 2 de Dezembro, na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa. Alice Macedo Campos é um dos seus destaques e publico aqui, em pré-publicação, um poema da autora.
A PELE
todos nós sabemos que a pele
tem um verbo auxiliar,
quase sempre seguido de um pronome,
mas se eu disser o toque,
ouviste bem, não digo tocar-lhe,
são apenas dois nomes um depois do outro,
sem nenhuma ponte entre eles,
e se tu disseres:
nenhum nome navega sozinho,
a pele e o toque são os barcos no mar,
eu olho para ti e penso:
será o mar a pele da terra?
e tu dizes baixinho,
olha bem para o mar,
e eu olho,
quantas águas tem?
e eu começo a contar,
uma água, duas águas,
uma é a do mar, outra é a do céu,
dois nomes um depois do outro,
sem nenhuma ponte entre eles,
mas tu dizes,
a ponte é o olhar,
e eu olho melhor e digo:
o céu e o mar tocam-se,
são três águas, uma do mar,
uma do céu e uma do olhar.
faltam mais, dizes tu,
falta a tua água e falta a minha
e as duas quando se juntam.
o meu coração morre um bocadinho.
todos nós sabemos que duas águas juntas
dão uma água só.
faz lembrar aquela canção:
o barco toca o mar que toca a terra
que nos toca a nós na sepultura.
a terra que há-de tocar-me a mim,
é a mesma que há-de tocar-te a ti,
não são duas terras.
a vida e morte são dois nomes,
um depois do outro,
e a ponte somos nós.
Alice Macedo Campos
Revista Inútil #3
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