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sábado, 1 de janeiro de 2011

PROSA - UMA CASA EM BEIRUTE (3)

















UMA CASA EM BEIRUTE (3)

            é sexta-feira e estou onde deveria estar. na casa da criança. vim como se a minha presença me tivesse sido solicitada, não como se visitasse. é uma diferença fundamental no espírito de quem visita. esta criança manda na casa. a influência da mãe sente-se sobretudo nos objectos. é como se eles segurassem a sua solidão, como se fossem uma operação matemática que não a solucionasse. os objectos não são incorruptíveis. sendo uma espécie de corpo reproduzido por fragmentos, são uma vida reduzida à unidade de medição «força». estes objectos não têm força. e tanto assim é que, após uma vista geral, constato que a sua maioria quase que não serve para nada, ainda que primitivamente tivessem uma utilidade. servem residualmente para representar a solidão daquela mãe, acentuada pela expressão da criança quando se lhe dirige. na verdade, é como se esta solidão presente pudesse andar para trás, para trás ao acto primeiro que lhe deu origem, ainda que na altura reinasse um total desconhecimento, um conhecimento cujo conteúdo se escondesse atrás de uma colina de alegria, senão de felicidade.

            e é como se o seu filho, a criança, Aiden o seu nome, o mesmo que no mercado há dias gritava «mãe, mãe», fosse fruto dessa árvore naquele tempo plantada, e ainda bebesse dos vícios posteriores. era como se Aiden representasse neste espaço e tempo o casamento falhado, a precipitação, o amor quebrado.

            e isto tudo é progresso. "só a tristeza de uns pode fazer a felicidade de outros. e só a felicidade individual de uns pode erradicar a tristeza de outros.", dizia Artan, que conheci há pouco num curta viagem de autocarro. "a tristeza é o ponto zero, para onde as pessoas descem. é como estar numa mina preso a setecentos metros de profundidade. a felicidade é, eu diria, uma espécie de ponto cinco. só as pessoas nesse ponto podem lançar convenientemente as cordas aos do ponto zero. os pontos juntam-se, dividem-se como uma média aritmética: cinco mais zero a dividir por dois: dois e meio e o equilíbrio do mundo. o importante equilíbrio. saúde mental.

            vim a este lar. não que me encontre num ponto cinco; mas em qualquer ponto que me encontre, acima do zero e dividido por dois, é lucro. por vezes quem lança as cordas também perde força e, sobretudo para as pessoas do estado cinco, o do êxtase, tal se afigura fundamental, pois que a felicidade, para ser qualitativamente durável, deve ser deste modo exercida. mas se eu perder força, baixando o meu nível emocional, garanto, se tiver êxito no incremento no nível geral desta família desmembrada, uma sustentação futura para a minha pessoa. um lucro de reserva.

            "o jantar está na mesa, senhora Carlaiz", diz Breena, a mãe. e eu desloco-me para a mesa.

Sylvia Beirute
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1 comentário:

  1. é quarta-feira da onde escrevo. penso
    nas descrições aritiméticas, a forma da casa, de Beirute.
    digo: que belo texto! digo, Sylvia,
    a escala de quem fez a foto, é alta, cinco. não sei se seriam vcs, a tua vista?, sei que combina!
    e penso: "quem entenda com tal grau de sentimento e sensibilidade, essa casa, estará com certeza no mundo por solicitação" - estás lançando "convenientemente a corda aos do ponto zero", os visitantes.
    ))(Obrigado)((

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