VERA ACORDANDO
as cadeiras dormem nos seus próprios pés,
e assim também a mesa,
o tapete que está deitado de costas
fazendo refém o seu desenho.
o espelho dorme,
os grandes olhos das janelas estão bem fechados,
a marquise dorme com as suas pernas
de um lado para o outro, no ar, puro;
no telhado, em frente, dormitam também as chaminés,
bem como as acácias na calçada;
a nuvem dorme
com uma estrela cravada no peito,
a luz dorme aqui dentro
e lá fora
tu acordaste a minha linda rosa.
as cadeiras acordaram
e puseram-se a passear de lá para cá
juntamente com a mesa, com
o tapete que se sentou com uma erecção,
lentamente se despedindo das suas cores maiores,
como um lago ao entardecer.
e despertou o espelho,
as janelas abriram os seus grandes olhos azuis,
acordou a marquise
e pôs as pernas para dentro de novo.
no telhado em frente as chaminés faziam fumo,
as acácias na calçada cantavam alto.
a nuvem acordou e arremessou a estrela cravada no peito
para dentro do nosso compartimento,
a luz acordou aqui dentro e também lá fora
inundando os teus cabelos,
deslizando por entre os teus dedos,
abraçando a tua cintura nua
e estes teus pés
tão deliciosos e brancos.
Nazim Hikmet
tradução de Pedro Calouste
*
NOSTALGIA
passaram cem anos seu eu ver o teu rosto,
prender a tua cintura,
passar o dia nos teus olhos,
questionar a tua sapiência,
e estar próximo do calor do teu ventre.
passaram cem anos que uma mulher me espera
numa bela cidade.
nós, nós estávamos na mesma rama,
nessa mesma rama.
caímos dessa mesma rama e separámo-nos.
e hoje cem anos nos afastam,
cem anos de caminho.
hoje faz sem anos que
por entre a escuridão
eu a procuro.
Nazim Hikmet
tradução de Pedro Calouste
.
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