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sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

A variação de género no cinema: épico, dramático, lírico. (excerto)



















CINEMA E GÉNERO

(…) O cinema é considerado épico. Não se pode dizer que não o seja, já que é notável a presença de um narrador e de uma história sendo contada por ele. No entanto, isso só diz respeito ao cinema narrativo. Um cinema não-narrativo pode assumir formas muito distintas, (…) até mesmo porque essa tarefa provavelmente não pode ser realizada, com as armas de que dispomos até o momento. 

O que nos interessa, agora, é uma possibilidade de um cinema puramente lírico e outro puramente dramático. Um filme que não tivesse história, nem personagens, mas apenas imagens e sons, e cujas angulações de câmara, cortes, etc., não indicassem presença de um narrador, mas de uma espécie de eu-lírico, alguém que fala através daquelas imagens, que expõe suas emoções, seus pensamentos de forma poética, um filme assim, seria, não temos dúvidas, um filme puramente lírico. 

Há filmes assim, e podemos citar aqui talvez o mais famoso deles (um longa-metragem moderno, inclusive, para que não se diga que esse tipo de cinema só é possível nas vanguardas e seus curtas): Koyaanisqatsi, de Gofrey Regio, de 1982. Esse filme não tem personagens, não tem narrador, nem narrativa, obviamente, mas a edição, as imagens, sua junção com o som, tudo isso se mostra cinema, não é um amontoado caótico de imagens aleatórias, é um poema visual, um poema lírico. A existência de um filme lírico nos permite imaginar um filme puramente dramático. Pessoas apressadas podem pensar que a filmagem de uma peça seria exemplo disso, mas não é. A filmagem de uma peça é apenas isso, uma peça filmada, não é cinema. O cinema necessita de edição, de montagem, essa, pode-se dizer, seguindo Eisenstein, é a essência do cinema. 

No entanto, aqui se encontra um problema: se a presença de personagens e de uma trama é essencial para o drama, como uma história filmada com esses elementos pode ser drama mas não cinema, ou seja, como pode um filme ser percebido como cinema mesmo não tendo um narrador? Não sabemos se é possível, não conhecemos um exemplo disso, mas podemos imaginar. Talvez um filme que possuísse apenas um ângulo, um ângulo neutro, como um plano geral, um filme que fosse fundamentado no diálogo, como um drama, mas que também tivesse montagem, talvez esse fosse um filme puramente dramático. Se pegarmos uma peça, digamos, Hamlet, e filmarmos todas as cenas, cada uma com seu cenário próprio, até mesmo com cenas em locais abertos (como a cena inicial de Hamlet, na frente do palácio), umas diurnas, outras nocturnas, e se filmarmos tudo isso sem usar mudança de ângulo ou movimento de câmara, e editarmos as cenas, montando um filme, se fizermos tudo isso, não seria cinema, e não seria cinema puramente dramático? 

A montagem e as mudanças de cenário típicas do cinema conferem ao filme o status de obra cinematográfica, enquanto a trama, as personagens, e, principalmente, a importância dada aos diálogos e à acção dramática, conferem à obra o status de drama.  (...)

Tendo feito essas propostas de cinema puramente dramático, e de cinema puramente lírico, respeitando a opinião de que o cinema é épico, podemos agora pensar no cinema narrativo como um género misto, talvez sempre ao mesmo tempo épico, dramático e lírico. O lirismo no cinema narrativo, no entanto, não pode ser um lirismo puro, daí convém chamarmos, tratando-se de cinema, não “género lírico”, mas “género poético”, algo oposto a um “género prosaico”, ou “género narrativo”, ou “épico”, enquanto o drama pode permanecer com o mesmo nome. Sendo o cinema narrativo essencialmente épico, podemos imaginar que uma inclinação maior ao poético ou ao dramático não tornará um filme puramente poético ou puramente dramático, na verdade o que podemos ter é um épico dramático, um épico poético, ou um épico prosaico, de acordo com o aspecto principal da obra, de acordo com o elemento diferenciador de cada género.

Anacã Rupert Agra
em Os géneros no cinema: o épico, o dramático e o lírico

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