Subscribe

RSS Feed (xml)

Powered By

Skin Design:
Free Blogger Skins

Powered by Blogger

sexta-feira, 26 de março de 2010

POESIA de CECÍLIA MEIRELES - DIMENSÕES e FORMA


























DIMENSÕES E FORMAS NA POESIA DE CECÍLIA MEIRELES
Antonio Rodrigues BELON (UFMS – Câmpus de Três Lagoas)
Resumo: Em Solombra, de Cecília Meireles, as dimensões e as formas
pertencem ao campo das relações essenciais (espacialidade).
Palavras-chave: Cecília Meireles; Solombra; dimensões; formas;
espacialidade.

Abstract: In Solombra, by Cecília Meireles, dimensions and forms concern the field of essential relations (spatiality).
Key-words: Cecília Meireles; Solombra; dimensions; forms; spatialitiy.

0. Introdução

O espaço configura-se numa região intermediária entre o caos e o cosmos. Já as possibilidades e os perigos da vida se igualam ao caos. Os dois aspectos implicam-se no espaço. Nele, as dimensões e formas podem tudo, menos assegurar solidez e estabilidade. A poesia de Cecília Meireles, em três poemas de Solombra, organiza-se em imagens provenientes da espacialidade, categoria pertencente ao campo das relações essenciais assim como a temporalidade, a que se articula estreitamente. Os poemas identificam-se pelos seus primeiros versos, uma vez que no livro aparecem sem os títulos.

1. Dimensões

A organização do espaço ocorre em três dimensões. Isso permite a compreensão da altura como uma das direções da verticalidade, em oposição ao baixo, ao inferior. Na organização da espacialidade, a altura assim concebida é um dos pontos fundamentais. Poeticamente, a expressão em imagens da estrutura em descrição ocorre num campo de amplas possibilidades e realizações.

1.1. O sabor e a verticalização do ser

No processo de elaboração da linguagem em figuras e imagens, o lexema “Beleza” funciona como uma espécie de conteúdo, no primeiro verso do nono poema, “O gosto da Beleza em meu lábio descansa:”. Complementarmente, “vento” e “pólen”, do segundo verso, “sal” e “mar”, do terceiro, funcionam como uma expressão da beleza. No quarto verso, o eu poético é configurado pelo lexema “fantasma”, numa identificação a uma realidade sobrenatural. O caráter da segunda estrofe é definido no sexto verso pelos lexemas [outra] “dor” e [outra] “esperança”. Uma oposição entre “alta noite” e “radioso espelho”, no sétimo verso, obriga ao estabelecimento de algumas relações: o segundo sintagma assume o papel de sinônimo de a reflexão do ser, no sentido de meio pelo qual se pode conhecê-lo, e o primeiro sintagma é a repetição literal de um fragmento do sexto verso, “medusas da alta noite”, do sétimo poema, “Caminho pelo acaso dos meus muros .” A imagem da altura da noite exibe a verticalização do espaço no processo de elaboração da metáfora dos aspectos materiais e os transcendentais da realidade. Do “assombro”, do nono verso, à “alucinação” do décimo, todo o percurso do sujeito poemático é caracterizado: a “alucinação” é qualificada como “alta”, numa retomada do processo de ampliação espacial. Dois lexemas embasam o 11º verso na consideração dos aspectos físicos e metafísicos da existência: “angústia” e “agonia”. Pensar o metafísico é pensar a morte, sempre dolorosa, angustiosa e agonicamente. No monóstico, “dunas da noite” representam o acumulado das profundidades do ser na superfície da existência. O conceito básico, concretizado nas imagens do poema, é o de altura, significando elevação, ascensão do ser. As relações apontadas destacam a noite como síntese das
relações entre espaço e tempo.

1.2. A cor e a vertigem do ser 

“Palavras gastas de Morte e Amor”, monóstico do 16º poema, “Ó luz da noite, descobrindo a cor submersa”, parece uma advertência útil na interpretação da poesia como elaboração estética da linguagem verbal. No seu verso inicial, esse poema traz “luz da noite”, reiterando a natureza do interlocutor presente no poemário, uma de vinte oito poemas constituintes de Solombra, de onde os três aqui em destaque foram retirados. A interlocução se estabelece, numa das leituras possíveis, com o centro do processo organizador do universo, agente da passagem do caos ao cosmos, guia e sustentáculo (providência) do sujeito poemático. O ser em consideração recebe diferentes atributos no poema: “luz” e “branca”, “noite” e “negro”, caracterizando-se pelo cromatismo muito intenso no poema. Um dos lados desse contraste identifica-se à noite, à sombra, e o outro, à luz. As duas contradições lexemáticas são apenas aparentes, uma tensão externa que se resolve numa síntese interna: o ser sintetiza as polaridades da sombra e da luz. Sempre que se reassume a questão do ser, não importa a vertente, ela encontra uma possibilidade de algum sentido no levantamento e organização em categorias legíveis dos lexemas básicos dos poemas: neles o ser vê-se em retrato poético, neles abrem-se as entradas ao mundo instaurado pela temática do ser. Três lexemas indicam a possibilidade de acesso pelo sujeito poemático a realidades diferentes daquelas em que se localiza momentaneamente: “porta”, no sétimo, “umbral”, no oitavo, “vértice”, no nono verso. No lexema-chave, no nono verso, originário da geometria, “vértice”, o cimo, o cume, o ápice, o ponto mais alto de uma experiência, vem como sugestão. Da família de vértice é o verbo verter, significando derramar, entornar, transbordar. Também o substantivo vertigem, tonteira, desfalecimento: diante do transcendente e do sobrenatural, o sujeito poemático paga o preço de seus limites humanos, naturais. Vive na contingência, na existência.

O lexema “porta”, nas suas conotações simbólicas, adquire o significado de passagem. Arquitetônica e simbolicamente liga-se a “umbral”. “Símbolo de transição, de transcendência”, representa as duas faces de um fenômeno único: o da união e o da separação. Enquanto no primeiro lexema, o acesso a uma realidade acontece, no segundo, considera-se o limite onde se pode parar ou continuar. O umbral é a ombreira, a moldura, o limite da porta; ele associa-se umbra que sugere sombra, numa recorrência da imagem básica da obra em estudo.

A síntese da abertura do 16º poema, “Ó luz da noite, descobrindo a cor submersa”, torna concreta a cor, dá forma à cor, uma invocação de um dos elementos da natureza, o fogo, a luz, permeia a sua organização por inteiro. No quarto verso, ela reaparece na cromaticidade decorrente da ligação estreita entre a “rosa” e o “plinto” em que se apóia. Esta flor e a coloração a ela atribuída passam pelo luar na elaboração figurativa da linguagem. A rosa remete imediatamente à efemeridade; o apoio em que ela se localiza evoca a solidez e a duração, espessando ainda mais as relações entre os dois elementos. O luar, na sua fluidez e leveza, encontra na noite o seu plinto, um ponto onde se escorar como uma escultura: o luar se concretiza numa imagem surrealista. No quinto verso, “a tarde” é identificada com a luz nas areias, em movimento. Ela é a parte final do dia, antecede a noite. O céu do sexto verso sobre o silêncio acrescenta a altura acentuada pelo seu erguimento e a sua caracterização como sendo multiplamente alado e em postura apropriada ao vôo. A gestualidade e a plasticidade da imagem celestial trazem ao verso final do terceto uma sugestão de acolhimento. Sempre a sutileza em oposição à realidade bruta do mundo, a insinuação de esferas intocadas pela percepção, o homem perdido nas sombras.

Os versos da segunda estrofe funcionam sintaticamente como apostos deslocados do vocativo de abertura do poema. O segundo terceto é um desdobramento do primeiro. “Eis uma voz —ah, rosa branca em negro plinto!/ Eis uma sombra — a tarde a andar pelas areias./ Eis um silêncio — erguido céus de asas abertas.”

2. Formas

A morfologia em diversos ramos do conhecimento coincide com as tradições simbólicas no que diz respeito à noção básica de forma. As formas, na condição de estrutura e organização, existem entre o espírito e a matéria, permitindo as relações dos dois sem desconhecer nelas a temporalidade.Como expressões espaciais, e organizadamente, de maneira própria ao cosmos, conseguem captar e trazer ao plano das percepções os aspectos caóticos dos seres e das coisas. Nelas, os planos e os volumes acolhem, geral e respectivamente, os elementos simbólicos espirituais e os macrocósmicos.

2.1. A verticalidade entre a pedra e a nuvem

Os lexemas “arco de pedra, torre’, no primeiro verso, “mosaicos”, no sexto, “labirintos”, no oitavo, “arquitetura”, no sétimo, agrupam-se no campo semântico da arquitetura para a caracterização de uma forma com a qual dialoga, no oitavo poema, “Arco de pedra, torre em nuvens embutida,”.

No campo semântico da música, dois lexemas entram em conjunção: “sino”, no segundo verso, e “música”, no quarto, “asas”, no segundo verso, “alada” [forma], no monóstico, pertence ao universo dos seres alados. Dos instrumentos de medida, “ampulheta” ocorre isoladamente, no seu campo semântico. No âmbito da trajetória do sujeito poemático e das demais “personagens”, o terceiro e o quarto versos requerem uma citação completa: “Meu vulto anda em redor/ Anda em redor minha alma”. A terceira estrofe, incluindo o sétimo verso, mantém-se dentro da área de significações em abordagem: “Ó calma arquitetura onde os santos passeiam/ e com olhos sem sono observam labirintos/ de terra triste em que os destinos se entrelaçam”. A forma, este o lexema-chave do poema, é o modo sob o qual uma coisa existe, a configuração, o feitio de um ser: aqui o lexema responde por uma aproximação maior ao do ser subjacente à interlocução no poemário.

Os dois versos iniciais do oitavo poema constituem a sua primeira unidade. A modulação desta dupla de versos realiza-se pela enumeração de quatro componentes nominais, sem a presença de verbos, terminando em reticências. Fica a imagem de uma seqüência de elementos que poderia ampliar-se indefinidamente. Dos componentes nucleares desta enumeração, três pertencem ao campo das obras arquitetônicas de grande porte e o restante a uma atividade humana. O arco, símbolo do poder e do destino, sendo de pedra como na abertura do poema, é acentuadamente rígido, duro. A torre, porta do céu, de altura destacada pelo seu embutimento nas nuvens, evoca a ascensão e a sua impossibilidade pela confusão de línguas: pela herança do episódio da torre de Babel. A aliteração, numa sugestão fônica validada pelo contexto poemático, corresponde, no começo do segundo verso, à sonoridade repetitiva do sino a que se refere. O sino liga-se à percepção dos sons e, pela altura em que se coloca e emite as suas badaladas, situa-se entre o céu e a terra. Elo entre dois planos, a sua localização marinha impede o cumprimento dos seus fins. De impossibilidade em impossibilidade chega-se à luta pelo vôo propiciado pelas asas, à busca de elevação. Na soma dos elementos enumerados nos dois versos presentificase uma tendência ao fechamento, à impossibilidade; existe, ainda, convivendo tensamente, uma vertente de abertura, de busca, reforçada pela suspensão do pensamento indicada pela pontuação deste fragmento poemático. Torre, sino e lua explicitam, como opostos, “aura de pedra”, e, fundam-se na similitude de forma: são metáforas visuais da “alada forma”, que traduzem espiritualidade, sugerindo uma imagem de cunho expressionista, uma personificação, a quem o sujeito poemático dirige perguntas, como mostra a literalidade do terceiro verso do poema: “Meu vulto anda em redor, abraçado a perguntas”.

O labirinto define a sua espacialidade específica no campo da arquitetura. Um edifício dividido e disposto de modo múltiplo, dificultando assim o encontro de uma saída de seus limites, ou um bosque ou jardim, cortado por veredas em que a locomoção defronta-se com os mesmos impedimentos. Basicamente é uma construção em que aquele que nela penetra encontra, no seu grau máximo, no emaranhado de suas formas, as dificuldades que impedem uma livre movimentação em seu interior e a descoberta de uma saída. A imagem da observação dos labirintos no oitavo verso do poema permite tais inferências e reflexões.

O próprio homem constitui-se de matéria labiríntica; num dos seus aspectos, nos seus sonhos, ele se perde nos desfiladeiros e profundidades de seu interior. Ele é primária e radicalmente, labirinto, e as imagens correspondentes aos intrincados percursos desta forma identificam-se ao seu ser a cada passo.

Numa concepção fundada no pensamento de que um arquétipo é uma decorrência da exposição ancestral, típica e repetida do homem a situações existenciais recorrentes, o perder-se nos descaminhos de um labirinto é uma situação originariamente arcaica.

Nas imagens da vigília, na clareza da vida de quem está acordado, as experiências do labirinto situam o ser com muita freqüência numa encruzilhada, prendendo o indivíduo em duas angústias. Libertar-se assume a condição de prioridade. Mas a hesitação domina: a angústia do passado, de seu sofrimento conhecido, e a angústia do futuro, carregado de ansiedades. O ser aprisiona-se, perde-se no labirinto sem sair da mesma ponte para onde volta sempre. O labirinto torna-se prisão: o ser fica preso no fundo de si mesmo, enredado em suas estruturas profundas.

Uma ambivalência se estabelece nas evocações das imagens infantis das infelicidades: a força da saudade é tanta que, por simples e terrestres que elas sejam, adquirem uma intensa dramaticidade no seu processo de retorno, no percurso do labirinto das lembranças. O discurso e as coisas entram em fusão no calor dos labirintos, nos percursos interiores das vivências transfiguradas em imagens, e no mesmo processo, em poesia. Os labirintos representam as provas pelas quais os homens passam na travessia existencial: o fogo das experiências plenas de sentido. Da fusão resultante do calor dos momentos vividos em profundidade ao jogo, à gratuidade da poesia, num dos seus aspectos, o que sobra é o percurso ao interior do simbolismo do labirinto.

3. Conclusões

Os temas da temporalidade e da espacialidade pertencem ao campo das relações essenciais. A compreensão do problema do ser e o seu sentido, na forma em que a questão se apresente, depende da abordagem do tempo, considerado em si, nas suas relações, no seu aspecto conceitual e no seu aspecto concreto. O ser em situação vincula-se ao tempo e ao espaço. As dimensões, as direções e os sentidos concretizam a espacialidade. A morfologia estuda os diversos ramos da forma objeto de intuição, pesquisa e conhecimento.

Referências Bibliográficas

AZEVEDO, F. F. S. Dicionário analógico da língua portuguesa: idéias afins. Brasília: Coordenada/Thesaurus, 1983.
BACHELARD, G. O ar e os sonhos: ensaio sobre a imaginação em
movimento. São Paulo: Martins Fontes, 1990a.
_____ .A terra e os devaneios do repouso: ensaio sobre as imagens da
intimidade. Tradução de Paulo Neves da Silva. São Paulo: Martins Fontes,
1990b.
_____. A terra e os devaneios da vontade: ensaio sobre a imaginação das forças. Tradução de Paulo Neves da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
BERMAN, M. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. Tradução Carlos Felipe Moisés e Ana Maria L. Ioriatti. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.
BÍBLIA SAGRADA. Tradução João Ferreira de Almeida. Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1969.
CHEVALIER, J .e GHEERBRANT, A. Dicionário de símbolos. Vários tradutores. Rio de Janeiro: José Olympio,1988.
CIRLOT, J-E. Dicionário de símbolos. Tradução de Rubens Eduardo Ferreira Frias. São Paulo: Moraes, 1984.
HEIDEGGER, M. Ser e tempo. Tradução de Márcia de Sá Cavalcante. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. 2 v.. (Pensamento Humano)
MEIRELES, C. Poesia Completa. Organização e introdução Walmir Ayala. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.


Sem comentários:

Enviar um comentário