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sexta-feira, 26 de março de 2010

Todos os Nomes






















DILEMAS

(...) Agora, deitado de costas, com as mãos cruzadas atrás da cabeça, o Sr. José olha o tecto e pergunta-lhe, Que poderei eu fazer a partir daqui, e o tecto respondeu-lhe, Nada, teres conhecido a última morada dela, quer dizer, a última morada do tempo em que frequentou o colégio, não te deu nenhuma pista para continuares a busca, claro que poderás ainda recorrer às moradas anteriores, mas seria uma perda de tempo, se esses comerciantes da rua, que são os mais recentes, não te ajudaram, como te ajudariam os outros, Então achas que devo desistir, Provavelmente não terás outra saída, salvo se te decidires a ir perguntar às finanças, não deve ser difícil, com essa credencial que tens, além disso são funcionários como tu, A credencial é falsa, De facto, será melhor que não a uses, não gostaria de estar na tua pele se um dia destes te apanham em flagrante, Não poderias estar na minha pele, não passas de um tecto de estuque, Sim, mas o que estás a ver de mim também é uma pele, aliás, a pele é tudo quanto queremos que os outros vejam de nós, por baixo dela nem nós próprios conseguimos saber quem somos, Esconderei a credencial, No teu caso, rasgava-a ou queimava-a, Guardá-la-ei com os papéis do bispo, onde a tinha, Tu lá sabes, Não gosto do tom com que o dizes, soa-me a mau agoiro, A sabedoria dos tectos é infinita, Se és um tecto sábio, dá-me uma ideia, Continua a olhar para mim, às vezes dá resultado. A ideia que o tecto deu ao Sr. José foi que interrompesse as férias e voltasse ao trabalho, Dizes ao chefe que já estás com suficientes forças e pedes que te reserve o resto dos dias para outra ocasião, isto no caso de vires ainda a encontrar maneira de sair do buraco em que te meteste, com todas as portas fechadas e sem uma pista que te oriente, O chefe vai achar estranho que um funcionário se apresente ao serviço sem ter obrigação disso e sem ter sido chamado, Coisas muito mais estranhas tens tu andado a fazer nos últimos tempos, Vivia em paz antes desta obsessão absurda, andar à procura de uma mulher que nem sabe que existo, Mas sabes tu que ela existe, o problema é esse, Melhor seria desistir de uma vez, Pode ser, pode ser, em todo o caso lembra-te de que não é só a sabedoria dos tectos que é infinita, as surpresas da vida também o são, Que queres dizer com essa sentença tão rançosa, Que os dias se sucedem e não se repetem, Essa é mais rançosa ainda, não me digas que é nesses lugares-comuns que consiste a sabedoria dos tectos, comentou desdenhoso o Sr. José, Não sabes nada da vida se crês que há mais alguma coisa para saber, respondeu o tecto, e calou-se. O Sr. José levantou-se da cama, escondeu a credencial no armário, entre os papéis do bispo, depois foi buscar o caderno de apontamentos e pôs-se a narrar os frustrantes sucessos da manhã, acentuando em particular os modos antipáticos do farmacêutico e o seu olhar de navalha. No fim do relato, escreveu, como se a ideia tivesse sido sua, Acho melhor voltar ao serviço. (...)

José Saramago, em Todos os Nomes

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