A MINHA MULHER
Era uma mulher alta, bem feita de corpo, de belo e altivo perfil. Um nariz direito, um queixo pontiagudo e as pálpebras semicerradas davam à sua fisionomia e ao seu olhar uma expressão de arrogância desdenhosa e de orgulho. Vestia-se com muito esmero e no seu todo exterior só lhe ia mal um excessivo nervosismo e, às vezes, uma certa rudeza nos modos. Eu conhecia bem a sua maneira de ser e dava-lhe o devido apreço, mas o seu mundo intelectual e moral, o seu espírito, as suas concepções, o seu temperamento instável, os olhos odientos, o orgulho, os livros que lia e que por vezes me deixavam espantado, e o seu ar freirático, como na véspera ainda, tudo isso me era desconhecido e incompreensível.
Quando durante as nossas altercações, tentativa definir o seu tipo humano, a minha psicologia quedava-se em fórmulas comuns, tais como: «estouvada, cabeça no ar, péssimo carácter, lógica feminina», e isto me bastava. Mas agora, que a via chorar, sentia o ardente desejo de descobrir o fundo daquela alma e de olhar lá para dentro a ver o que encerrava.
Anton Tchekov
in A Minha Mulher
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