Gil Vicente: "Obras são protesto movido pelo meu desencanto"
por Ana Cláudia Barros
Quando encaminhou suas obras para a 29ª Bienal de Artes de São Paulo, o artista plástico pernambucano Gil Vicente não vislumbrava o estardalhaço que se avizinhava. Mesmo reconhecendo o teor polêmico dos trabalhos - que retratam o próprio artista prestes a assassinar personalidades, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso -, Vicente se diz surpreso com a reação da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O presidente da entidade, Luiz Flávio Borges D'Urso, interpretou os autorretratos como "apologia ao crime".
Em entrevista a Terra Magazine, Vicente ironiza a atitude da OAB-SP e, sarcástico, diz ter uma dívida de gratidão em relação ao órgão.
- Acho que o ato da OAB redundou numa propaganda do trabalho. Isso é ruim para a Bienal porque desvia a atenção de outros trabalhos. Agora, para mim, foi uma assessoria de imprensa (risos). E de graça! A OAB tem minha eterna gratidão.
De acordo com ele, foram os recorrentes atos de corrupção e de injustiça social que motivaram a série "Inimigos", criada em 2005. "É um protesto movido pelo meu desencanto", explica. E com indisfarçável niilismo, dispara:
- O voto não é só inútil. Percebo que o votar é até um ato criminoso. Você vai, perante um tribunal, que é o tribunal eleitoral, e vota. É o mesmo que escrever: "Autorizo fulano de tal a roubar dinheiro público, sob proteção da lei, durante quatro, oito anos". É só o que eles fazem.
Confira a entrevista.
Terra Magazine - Como você avalia a iniciativa do presidente da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Luiz Flávio Borges D'Urso, que solicitou a retirada de suas obras da 29ª Bienal de São Paulo? Você esperava por esse tipo de manifestação por se tratar de um trabalho polêmico?
Gil Vicente - Não esperava. Eu expus esta série em Recife, Natal, Porto Alegre e, nenhum lugar, houve uma reação desse tipo. Teve, assim, leitores que reclamavam com jornal, ficavam no blog do jornalista, aplaudindo ou cuspindo na série. Geralmente, as opiniões a favor do trabalho eram em torno de 70%, 80%.
Achei que foi um equívoco (a atitude de D'Urso), porque não tinha motivo para isso. A diretoria da Bienal e os curadores estariam empenhados em impedir que isso acontecesse, caso ele insistisse ou viesse com mandado de segurança ou sei lá o quê.
Achei que foi um equívoco (a atitude de D'Urso), porque não tinha motivo para isso. A diretoria da Bienal e os curadores estariam empenhados em impedir que isso acontecesse, caso ele insistisse ou viesse com mandado de segurança ou sei lá o quê.
D'Urso acionou o Ministério Público. Ele afirmou que fez isso não como uma tentativa censura. Argumentou que suas obras fazem apologia ao crime. O que você pensa sobre isso?
Apologia ao crime no sentido de mostrar a violência porque uma pessoa está matando outra? E a TV? O que ela faz é muito pior. Mostra na Sessão da Tarde filmes violentíssimos. Há desenhos animados com muita violência, muito preconceito.
Durante entrevista de D´Urso, Terra Magazine colocou essa questão. O presidente da OAB-SP argumentou que os filmes eram obras de ficção e você retratava figuras reais.
Não há filmes que trataram do assassinato de presidente americano? Não era o presidente, mas uma representação. Como disse o curador Agnaldo Farias, da Bienal, então terá que proibir peça de Nelson Rodrigues, porque tinha morte no palco; Edipo Rei, porque incentivaria o incesto. Enfim, vamos voltar com a censura, né?! Acho que isso tudo é uma besteira. Não fiz nada real. Foi uma ficção. Eu quis dizer com os desenhos é que, a partir desse momento, 2005, quando fiz a série, caiu a minha ficha. Não adianta ter esperança em nada.
Então, a série simboliza deseperança? Qual foi sua motivação para criar os autorretratos simulando assassinatos de personalidades? Que mensagem você pretende passar e qual o critério de escolha dos personagens?
O motivo foi que eu compreendi, finalmente, graças a Deus, que não se pode alterar nada disso. O instrumento que a gente tem é o voto, que não vale nada.
O motivo foi que eu compreendi, finalmente, graças a Deus, que não se pode alterar nada disso. O instrumento que a gente tem é o voto, que não vale nada.
Seu trabalho reflete um desencanto pessoal?
Desencanto que, aliás, todo mundo deveria ter. Como alguém pode estar satisfeito? Só os que estão roubando junto ou quem está completamente desligado. A classe média, e eu sou classe média, quando vê pobreza, vira o rosto. Nós ainda somos beneficiados nesse sistema. Mas quando chega no pessoal pobre, que mora em favela, na periferia... A maioria da população vive nesse estado.
As obras podem ser consideradas como uma forma de protesto?
É um protesto movido pelo meu desencanto e por ter certeza de que nada vai mudar. Se passamos numa lombada eletrônica com velocidade acima do permitido, somos punidos. Se estacionamos na calçada, somos punidos. Por que justamente as pessoas que controlam as verbas nacionais são imunes à punição? Já viu um político que rouba ser punido realmente?
Eu tinha uma esperança que, quando Lula fosse eleito - desculpe a expressão - que ele colocasse uma rola bem grande na mesa e dissesse: "Agora é assim". Mas ele está fazendo a mesma coisa. Aí, eu desacreditei de vez. Acho o voto inútil. Por isso, não voto mais. Qualquer pessoa que for lá para dentro vai roubar impunemente.
Eu tinha uma esperança que, quando Lula fosse eleito - desculpe a expressão - que ele colocasse uma rola bem grande na mesa e dissesse: "Agora é assim". Mas ele está fazendo a mesma coisa. Aí, eu desacreditei de vez. Acho o voto inútil. Por isso, não voto mais. Qualquer pessoa que for lá para dentro vai roubar impunemente.
Você também retratou personagens internacionais, como o papa Bento XVI.
Sim, porque todos os papas fazem uma escrotice absurda: retirar todos os padres que pensam diferente; afastar os padres que estão pensando de outra forma. Eles se associam com diversos poderes para ter mais dinheiro. Não sou contra a religião. Sou contra a igreja, que é um poder que poderia influenciar positivamente, e fazem o contrário.
Volto para o voto. O voto não é só inútil. Percebo que o votar é até um ato criminoso. Você vai, perante um tribunal, que é o tribunal eleitoral, e vota. É o mesmo que escrever: "Autorizo fulano de tal a roubar dinheiro público, sob proteção da lei, durante quatro, oito anos". É só o que eles fazem.
Volto para o voto. O voto não é só inútil. Percebo que o votar é até um ato criminoso. Você vai, perante um tribunal, que é o tribunal eleitoral, e vota. É o mesmo que escrever: "Autorizo fulano de tal a roubar dinheiro público, sob proteção da lei, durante quatro, oito anos". É só o que eles fazem.
Estou vendo o tamanho do seu desencanto (risos).
Ninguém fala. As TVs poderiam denunciar, mas não fazem.
Você acha que a arte também tem esse papel?
A arte pode fazer tudo, ir para todo lado. Seja um trabalho como esse que fiz, seja uma pintura abstrata que te toque de alguma forma. A arte pode fazer a pessoa refletir, tocar a pessoa simplesmente de modo poético, e isso pode mudar a pessoa também. Então, acho que a arte tem um espaço muito generoso de liberdade.
Falando em arte, não é só seu trabalho que está no centro de uma polêmica. A Justiça determinou retirada da obra "El Alma Nunca Piensa Sin Imagen" desta Bienal porque o artista argentino Roberto Jacoby utiliza imagens dos candidatos Dilma Rouseff (PT) e José Serra (PSDB). O trabalho foi encarado como propaganda eleitoral. Qual sua avaliação em relação ao caso?
Aparece o rosto de Dilma (Rousseff) pequeno, como se estivesse insultando, inquirindo o de (José) Serra, que aparece raivoso também. Não cheguei a ver nitidamente algo em favor de Dilma, mas era isso que estavam dizendo. Argentina e América Latina precisam de Dilma, como se fosse mudar alguma coisa (risos).
Mesmo havendo uma proibição de campanha eleitoral, acho que isso, inserido em uma exposição de arte não pode ser caracterizado como propaganda eleitoral. É como se fosse um território diferente.
Mesmo havendo uma proibição de campanha eleitoral, acho que isso, inserido em uma exposição de arte não pode ser caracterizado como propaganda eleitoral. É como se fosse um território diferente.
Você encara esse tipo de iniciativa como uma interferência demasiada na arte?
Sim. E a gente sente cheiro de ditadura nessas coisas. Acho absurdo. No meu caso, pedi à Bienal, se essa coisa de querer retirar o meu trabalho voltar à tona, se a Bienal não conseguir evitar isso... Se eu não puder exibir os trabalhos, prefiro que cubra-os ao invés de retirar os trabalhos. Coberto ninguém vai ver, mas fica uma forma de protesto.
Acho que o ato da OAB redundou numa propaganda do trabalho. Isso é ruim para a Bienal porque desvia a atenção de outros trabalhos. Agora, para mim, foi uma assessoria de imprensa (risos). E de graça! A OAB tem minha eterna gratidão.
Acho que o ato da OAB redundou numa propaganda do trabalho. Isso é ruim para a Bienal porque desvia a atenção de outros trabalhos. Agora, para mim, foi uma assessoria de imprensa (risos). E de graça! A OAB tem minha eterna gratidão.
Você acredita que, se tivesse retrado Serra ou Dilma nos lugares de Lula ou FHC, o desenho também seria considerado propaganda eleitoral?
Eu estaria sendo contra os dois (risos). Nessa série, há vários poderes diferentes representados. Quis fazer assim: um governador anterior e um atual de Pernambuco. Quis mostrar que minha revolta não é partidária, é contra todos. Ninguém faz porra nenhuma. Retratei, por exemplo, Lula e Fernando Henrique, (o presidente iraniano Mahmoud) Ahmadinejad e (o ex-ministro de Israel) Ariel Sharon. Não estou a favor de ninguém. Nenhum desses faz algo para evitar que tanta gente sofra.
A dica é do blogue Ene Coisas.
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