Fera bifronte
(Cinco poemas)
ANTICABEÇA
apartado de mim; ferocidade;
esse olhar atravessando folhas;
cegasse o vento reptante:
replicantes jias, alinhavando deserções.
entre breus, seara difratada
onde retráteis
garras do ínfero.
ao modo de borrão: ambíguo
desgarre, em acúmulo
áspero de grafias.
escavasse desde o centro
em desmedida,
e anulasse as cores da paisagem.
***
ambivalência do inseto
que se desenha íbis,
amêijoa, escaravelho,
folhas ou fíbulas, fúrias ou órbitas
insustentáveis
de outra orla, outro círculo
plasmático. tudo está
no dorso da pupila.
2005
***
CABEÇAS
Contar cabeças como janelas
dispostas em diagonal;
uma coleção de lagartos;
palavras sumérias;
trevos de quatro folhas
impressos num álbum.
Cada cabeça tem um nome
que pode ser relógio,
intestino, alfinete, isopor.
Há uma infinita variedade
de nomes estranhos.
Cada cabeça tem um preço
gravado em código de barras.
Geladeiras são mais caras
que testículos; formigas,
mais baratas que saudades.
Cada nome é um preço
composto de letras
em número par ou ímpar;
cada letra tem linhas retas
ou curvas, como os mexilhões.
Isto é tudo o que há para dizer.
Vamos acabar de contar as cabeças.
2007
***
PONTO
áspera paisagem de linhas
retorcidas
como ferros
de uma paisagem
amorfa.
desavença de cores
no espelho retrovisor;
cicatrizes alinhadas
nos pulsos, em desenhos
de fetos inanes.
esquinas meretrizam
esqueléticos ângulos
na noite desfocada.
unhas negras, peitos brancos,
hora sem cor,
autofágica garganta absorve
o asco de tudo.
2007
***
AFASIA
nada a dizer.
escura via de recusa; secura de oxidados
ferros, no monturo
da memória. abolir-me,
recuar ao intervalo
anterior à sombra,
em amnésia calculada;
desfazer a densa cabala,
seu alijado alfabeto
de mistérios míopes;
calar-me como velho
escaravelho, ao sol
da mente muda.
2006
***
?
Animal metafísico desliza aspereza até abolição de vocábulos.
Uivos óticos;
patas enviesadas;
fileiras assimétricas
de vértebras,
códices de enigmas ósseos.
Em branco aniquilar
sua mandíbula,
aberta como fenda sexual
interrogante.
Flora esquelética no pelame,
rarefeita desde os tufos
da cabeça,
um mofar de paisagem
desnudante.
- Seqüência numérica tatua seu dorso
improvável, circunscrito
à descentrada geometria.
Olho-de-raio persegue desfocados
passos súbitos
num deslocamento
de vermelhos.
2007
***
Claudio Daniel é poeta, tradutor e ensaísta. Publicou, entre outros títulos, A Sombra do Leopardo (Azougue, 2001), Romanceiro de Dona Virgo (Lamparina, 2004) e Figuras Metálicas (Perspectiva, 2005). É co-editor da revista electrónica Zunái e mantém o blog Cantar a Pele de Lontra.
in Revista Critério
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Alma grande.
ResponderEliminarPoesia de valor.
Perfect... I love this post... Sigo-te NOW...
ResponderEliminarBjXX
[Confissões Insanas]
hubnerbraz.blogspot.com
Tomei conhecimento deste excelente poeta brasileiro, Claudio Daniel, através da selecção e organização que fez da ANTOLOGIA BRASILEIRA DO INÍCIO DO TERCEIRO MILÉNIO dezoito poetas da novíssima geração, exodus, 7 Dias 6 Noites, Editores Unipessoal, Lda., V.N.Gaia, Fevereiro de 2008.
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