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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

BRASIL: UM CONTO DE NEO ONE EON

























Cada vez mais os autores aparecem com livros de qualidade à venda por essa internet fora. Dei de caras com este Absurda Mente, do autor brasileiro que assina com o curioso pseudónimo de Neo One Eon. Sobre o livro já se disse que "traz uma série de estórias que trafegam entre a realidade e o absurdo. Com toques "Kafkanianos" como em "Serviço de (in)utilidade pública", "A fuga", "Chá de sumiço" e pitadas de humor como em "O gênio de uma mulher" e "A grande novidade", Absurda Mente é um livro para se ler e reler diversas vezes. Muitos de seus contos retratam situações que vamos reconhecer em amigos, parentes, vizinhos, ou em nós mesmos, o que faz do livro um bom caminho de reflexão sobre atitudes do cotidiano e estilo de vida." Reproduzo aqui o conto A Fuga.

A FUGA

Não podia parar, tinha que continuar em frente, em curvas e becos, ruas, avenidas, calçadas, praças e outros tantos logradouros públicos. Não, não podiam alcançá-lo, seria o fim, todo esforço em vão, todas as noites mal dormidas, todas as horas de planejamento, toda a massa cinzenta desperdiçada, tudo jogado ao vento. O corpo já dava sinais de cansaço, passou por mais uma esquina, desta vez dobrando à esquerda. Que escuridão, não havia uma alma viva àquela hora da madrugada, este beco que atravessava agora era bem estreito. Não tinha tempo de bolar estratégias, tinha que seguir correndo sem olhar muito para os lados, pra trás então nem pensar! Era melhor não saber o que se passava ao redor, melhor concentrar as forças neste único objetivo, correr, correr e correr, olhando apenas os poucos metros que o seu campo de visão alcançava adiante. Braços balançando junto ao corpo no eterno movimento do pra frente e pra trás alternadamente, como se pudessem empurrar o ar com mais força e cada vez mais rápido, quando na verdade encontrava-se cada vez mais cansado e lento; era preciso manter a ilusão de que estava se saindo bem e que tudo ia acabar bem. Os cabelos compridos por vezes o atrapalhavam, caíam no rosto, tapavam sua visão. Que raio de cabeleira, porque não havia cortado ou pelo menos aparado estas pontas! A cada momento desperdiçado eles se aproximavam, porque não o deixavam em paz, porque não desapareciam de vez? Concentração, era preciso concentração, pensar poderia ser perigoso... Pensamentos não eram bem vindos agora. Logo adiante tem um banheiro público, seria prudente entrar? Será que dava pra se esconder e descansar um pouco? Não, eles o encontrariam, era arriscado demais, continuaria em frente. Estes cachorros não param de latir, será que não viam que ele estava desesperado? Será que não podiam enfiar os seus rabos entre as pernas e simplesmente dormir, porque também não o deixavam em paz? Virou à direita. Esquisito, parece que estava correndo em círculos, tinha a impressão que já havia passado por ali antes. Estes muros brancos e encardidos, algumas frases e nomes não lhe eram estranhos. Ninguém nas ruas, somente ele e seus implacáveis perseguidores! Que dor nas costas, o ar gelado adentrava pesado em seus pulmões esgotados. Já não suava mais, parecia que não havia mais água em seu corpo, precisava se hidratar. A ponte! Tinha que correr em direção à ponte, o rio poderia ser a sua salvação! Sim, a água é poluída, mas não havia outra alternativa, não dava pra parar e beber um copo d’água. Talvez eles não vissem o seu mergulho desesperado, poderia despistá-los. Ainda faltam uns 300 metros até lá, precisava apertar o passo, tinha que encarar esta ladeira logo adiante. A subida nem era tanta, mas estava no limite de suas forças, cada avançada acima era um martírio, será que ninguém estava vendo o que se passava com ele? Cadê a polícia nestas horas? Cem metros se passaram, teria que dobrar à direita, descer a pequena rampa e pegar a escadaria abaixo. Se ele não tivesse perdido o seu tempo imaginando coisas talvez não estivesse nesta emboscada. Porque não fora um cidadão comum, como todo mundo? Porque tantas experiências, porque tantos livros, porque tantas idéias? Porque o mundo não lhe bastava a ponto de... Não, malditos pensamentos, estavam atrasando seus passos! A escadaria enfim, degraus abaixo e avante! Porque descer era sempre mais complicado que subir, ao contrário do que a maioria pensa? O joelho doía a cada impacto, as coxas fervilhavam, a batata da perna começava a dar sinais de câimbra. Porém, ele não podia parar, de jeito nenhum seria apanhado, preferia a morte a isto! Mas também não queria morrer agora, por isto continuava a fugir. A ponte, já avistava a ponte ao longe. Só mais um pouco, só mais alguns metros. Esbarrou num latão de lixo, foi sujeira pra todo lado. Sua visão estava ficando embaçada, o cansaço era avassalador, as pernas começavam a bambear. Em frente, enfrente, só mais um pouco, só mais um pouco, lutava contra si mesmo. Deu uma boa arrancada, tirando forças sabe-se lá de onde, e pulou. Splash! Aquela água turva e gelada o rodeava agora, aproveitou para beber uma boa quantidade dela. Era repugnante, porém estritamente necessário. Nadou para o fundo, mal enxergava um palmo a sua frente. Será que os havia despistado? Mal lhe ocorrera tal pensamento e logo percebeu a presença deles nadando em sua direção. Mas será possível, que inferno! Continuou nadando, mas o ar começava a faltar em seus pulmões, era preciso retornar à superfície. Sobe, sobe, sobe... Sobe! Finalmente conseguiu sair da água, voltando a correr. Agora estava menos cansado, a estratégia do rio tinha dado certo. Subitamente lhe veio uma idéia, como se fosse um sinal dos deuses: a igreja. Precisava correr para a igreja local, poderia ser a sua salvação! No meio do caminho lembrou-se de algo curioso, que no rio não estavam todos os seus perseguidores, um não havia mergulhado e estranhamente parece que também não o estava seguindo agora. Mas um a menos não fazia tanta diferença assim, e além do mais não podia perder tempo filosofando sobre isto. A igreja, tenho que entrar naquela pequena igreja, pensava. Estava encharcado, teve que tirar os sapatos e agora corria com os pés descalços, deixando um rastro de sangue pelo caminho. Aquilo tinha que ter um fim, esta cruel perseguição havia de acabar em breve. Mas porque tudo isto, porque não sumiam de uma vez por todas? Porque de tempos pra cá estas situações se tornaram uma constante em sua vida? O que ele tinha feito, porque o perseguiam tão implacavelmente? E porque diabos fugia, porque simplesmente não parava e perguntava o motivo daquilo tudo? Não, poderia ser muito arriscado, não ia correr este risco; correr, só se fosse pra frente! A igreja, já conseguia ver a igreja. Quanto mais se aproximava, mais percebia como era pequena aquela construção. Seus perseguidores também se aproximavam, ouvia seus passos mais perto e mais altos. Acelerou, tinha que dar um jeito de escapar! Como é tudo tão parecido neste lugar, observava enquanto corria. Precisava despistá-los mais uma vez, mas já não sabia como. De repente começou a ziguezaguear, desviando do caminho da igreja. Opa, parece que deu certo, não estava mais ouvindo aqueles passos abomináveis, será que conseguira realmente enganá-los? Deu a volta na igrejinha e entrou pela porta da frente, a única que ele tinha visto naquela escuridão toda. Sentiu uma paz confortadora, nunca havia entrado ali antes, apesar de ter passado por ela inúmeras vezes. Como era linda, como era minúscula! Aproximou-se do pequeno altar e ajoelhou-se diante da cruz, que estava pendurada na parede e que também tinha a imagem de Jesus Cristo pendurada nela. Começou a rezar. Porém, seu momento de paz durou pouco, ouviu o barulho da porta rangendo. Eram eles, seus infelizes perseguidores! Agora não havia pra onde correr, tinha que encarar o problema de frente. Mas ao invés de perguntar o que estava acontecendo e a razão daquilo tudo, ele arrancou a cruz da parede e começou a golpear seus oponentes. Eram golpes raivosos, com bastante cólera, de um ódio incontrolável. E estava tendo sucesso, os malditos estavam todos caindo, uma a um! Mas estranhamente sentiu o gosto amargo do sangue em sua boca e quando deu por si estava no chão, juntamente com seus inimigos.

No dia seguinte seu corpo foi encontrado no chão da capela do sanatório municipal, todo ensangüentado. Ele sofria de esquizofrenia."

Neo One Eon
em Absurda Mente
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