O poeta é imitador, como o pintor ou qualquer outro imaginário; por isso, sua imitação incidirá num destes três objectos: coisas quais eram ou quais são, quais os outros dizem que são ou quais parecem, ou quais deveriam ser. Tais coisas, porém, ele as representa mediante uma elocução que compreende palavras estrangeiras e metáforas e que, além disso, comporta múltiplas alterações, que efectivamente consentimos ao poeta.
Acresce, ainda, que não é igual o critério de correcção na poética e na política, e, semelhantemente, o de qualquer outra arte, em confronto com a poesia. Na arte poética, erros de duas espécies se podem dar: essenciais ou acidentais. Portanto, se propostos tais objectos, a imitação resulta deficiente por incapacidade do poeta, o erro é intrínseco à própria poesia; se, pelo contrário, o defeito consiste apenas em não haver concebido corretamente o objecto da imitação - como querendo imitar um cavalo que movesse a um tempo as duas patas do lado direito- o erro não é intrínseco à poesia, como o não é qualquer que se cometa relativamente a uma arte particular (medicina ou outra), ou quando se representam coisas impossíveis.
Importa, por conseguinte, resolver as críticas que os problemas contêm, considerando-as dos pontos de vista precedentes.
Primeiro, vejamos as críticas respeitantes à própria arte. O poeta representou impossíveis. É um erro - desculpável, contudo, se atingiu a finalidade própria da poesia (da finalidade já falámos), e se, de tal maneira, resultou mais impressionante essa parte do poema, ou outra qualquer. Exemplo: a perseguição de Heitor. Mas, caso possa atingir mais ou menos a mesma finalidade, respeitando as regras da arte, o erro é injustificável, porque, sendo possível, não deveria haver erro nenhum.
Mas então vejamos: será o erro cometido daqueles que ofendem a essência da arte, ou não será antes um erro acidental à poesia? Pois falta menor comete o poeta que ignore que a corça não tem cornos, que o poeta que a represente de modo não artístico.
Aristóteles
em Poética
tradução de Eudoro de Sousa
Imprensa Nacional-Casa da Moeda
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