Uma palavra de ordem - realismo militante - e algumas teses:
1. Só um realismo implacável, dissipando as cortinas de fumo que ocultam a verdade, pode denunciar a exploração e a opressão próprias do capitalismo;
2. A prática desse «realismo militante» exige um certo número de conhecimentos históricos e económicos;
3. Só o diálogo escritores-público pode assegurar a criação de um «grande trabalho literário»;
4. Da necessidade de se produzirem «obras didácticas».
Estas teses foram defendidas por Bertolt Brecht, em 1940, na sequência de um trabalho teórico sistemático sobre as relações entre Arte e Política.
«Neste tempo de escolhas decisivas - escrevia Brecht - a arte deve também escolher. Ela pode tornar-se no instrumento de alguns, que desempenham, junto das massas, o papel dos deuses e do destino, e exigem uma fé que tenha como primeira qualidade a cegueira; ou pode colocar-se ao lado das massas, a ajudá-las a tomar o destino nas suas próprias mãos. A arte pode entregar os homens às ilusões e aos milagres, mas pode também entregar o mundo aos homens. Pode aumentar a ignorância, mas pode igualmente aumentar os conhecimentos.» Etc. A verdade? A verdade seria então a principal preocupação do chamado «realismo militante»; a verdade e as dificuldades defrontadas por um escritor quando sobre ela pretende escrever: a necessária coragem, a inteligência para a reconhecer, a arte para a transformar numa arma manejável, o discernimento para saber quem poderá colaborar na sua eficácia e a capacidade para a divulgar pelas massas.
Porque:
a) «Sobre a validade das formas literárias é a realidade e não a estética, nem mesmo a do realismo, que é preciso interrogar»;
b) «Há cem maneiras de dizer e de calar a verdade»; e
c) «Deduzimos a nossa estética, tal como a nossa moral, das exigências do nosso combate.»
Estarão ultrapassada estas questões? Esta maneira esquemática de as colocar? Deixou de ter sentido o problema das relações entre a Arte e a Política? Ultrapassado o Brechet teórico?
Pensamos que não. Outras serão sem dúvida as formas de colocar hoje o problema - mas as lutas a travar são fundamentalmente as mesmas. Outras serão as palavras, os conceitos; outros os códigos a destruir; e diferenças haverá entre o inimigo de ontem e o inimigo de hoje - mas, tal como ontem, a Arte resistirá à mentira e à corrupção, ou pactuará com as traficâncias do poder, ocultando-as, escamoteando-as. O que está em causa é a ordenação do caos, a criação do futuro: «no pão de amanhã deverão ver-se as mãos do Poeta» (Pablo Neruda). A forma? Cite-se ainda outro poeta socialista, Maiakovski: «Não há arte revolucionária sem forma revolucionária».
em Prática da Escrita em Tempo de Revolução
Caminho, 1977
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Poemas de Bertolt Brecht:
Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis
*
SOBRA A CONSTRUÇÃO DE OBRAS DURADOURAS
Quanto tempo
Duram as obras? Tanto
Quanto o preciso pra ficarem prontas.
Pois enquanto dão que fazer
Não ruem.
Convidando ao esforço
Compensando a participação
A sua essência é duradoura enquanto
Convidam e compensam.
As úteis
Pedem homens
As artísticas
Têm lugar para a arte
As sábias
Pedem sabedoria
As destinadas à perfeição
Mostram lacunas
As que duram muito
Estão sempre pra cair
As planeadas verdadeiramente em grande
Estão por acabar.
Incompletas ainda
Como o muro à espera da hera
(Esse esteve um dia inacabado
Há muito tempo, antes de vir a hera, nu!)
Insustentável ainda
Como a máquina que se usa
Embora já não chegue
Mas promete outra melhor.
Assim terá de construir-se
A obra para durar como
A máquina cheia de defeitos.
*
NADA É IMPOSSÍVEL DE MUDAR
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito
como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de
humanidade desumanizada, nada deve parecer natural,
nada deve parecer impossível de mudar.
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