sb: série poetas
EDWIN MORGAN
Falar de Edwin Morgan (Glasgow, Escócia, 27 de Abril de 1920 - 19 de Agosto de 2010) remete-me para a ironia da liberdade de sonhar, a ânsia de transpor a fronteira entre realidade e ficção, ainda que a segunda aqui seja vista como densificação da primeira.
Os poemas deste escocês levam-me pois a esse universo onírico, mesmo que camuflado por alguma aparente casualidade – o sonho que se assemelha à realidade, como um meio a fim de a mudar.
A montagem dos cenários onde se desenrola a acção desta poesia é uma marca distintiva e eles mesmos mantêm como que uma postura austera, imóvel (no sentido de se desenrolar no mesmo lugar). Há, eu diria, uma personalidade ligada a eles, e que, curiosamente, nem sempre parece coincidir com o perfil de quem sente, de quem confessa. Este contraste acaba por intensificar o que se expressa, dentro dos temas intemporais (e eu diria, sem reservas, românticos) que o poeta aborda. A partir desses cenários é a memória que tem voz, que recita os exercícios da consciência ou que ilustra e preenche aquilo que se tem diante dos olhos.
Não é uma poética de versos, mas sim de poesia enquanto puzzle e em que todas as linhas, umas não sem as outras, erguem o corpo do poema. Este factor oferece a este uma certa leveza e dá ao leitor a hipótese de escolher o ritmo de leitura.
O autor não deixou, aqui ou ali, de se expressar de modo mais experimental, no extremo da quase poesia visual e no choque estético da visão. Veja-se a este respeito o sugestivo A Canção do Monstro do Lago Ness (The Loch Ness Monster's song), que nem carece de tradução:
A CANÇÃO DO MONSTRO DO LAGO NESS
Sssnnnwhuffffll?
Hnwhuffl hhnnwfl hnfl hfl?
Gdroblboblhobngbl gbl gl g g g g glbgl.
Drublhaflablhaflubhafgabhaflhafl fl fl -
gm grawwwww grf grawf awfgm graw gm.
Hovoplodok-doplodovok-plovodokot-doplodokosh?
Splgraw fok fok splgrafhatchgabrlgabrl fok splfok!
Zgra kra gka fok!
Grof grawff ghaf?
Gombl mbl bl -
blm plm,
blm plm,
blm plm,
blp.
*
este tipo de poemas, com palavras praticamente aleatórias, apenas escolhidas, ou nem isso, pela sonoridade das mesmas, encerram no seu título a responsabilidade do significado, com a particularidade de esse mesmo título poder mudar e dar ao poema uma leitura completamente diversa. Com isto quero dizer que aqui a forma, ou melhor, a ideia formal, também assume destaque na poesia de Edwin Morgan, equilibrando agradavelmente o seu legado.
ONE CIGARETTE
No smoke without you, my fire.
After you left,
your cigarette glowed on in my ashtray
and sent up a long thread of such quiet grey
I smiled to wonder who would believe its signal
of so much love. One cigarette
in the non-smoker's tray.
As the last spire
trembles up, a sudden draught
blows it winding into my face.
Is it smell, is it taste
You are here again, and I am drunk on your tobacco lips.
Out with the light.
Let the smoke lie back in the dark.
Till I hear the very ash
sigh down among the flowers of brass
I'll breathe, and long past midnight, your last kiss.
UM CIGARRO
Não há fumo sem ti, meu fogo.
Depois de teres partido,
O teu cigarro cresceu no meu cinzeiro
E enviou uma linha de uma cinza muito calma.
E sorri a quem iria acreditar no seu sinal
de tanto amor. Um cigarro
no cinzeiro do não-fumador.
Enquanto a última espiral
estremece, uma pequena corrente de ar
sopra o seu caminho no meu rosto.
É cheiro, é gosto?
Tu estás aqui de novo, e eu estou bêbado no teus
lábios de tabaco.
Fora com a luz.
Deixa o fumo esconder-se no escuro.
Até eu ouvir a mesma cinza
Suspirar entre as flores de bronze.
Respirarei, após a meia-noite, o teu último beijo.
Edwin Morgan
(tradução inédita de Pedro Calouste)
*
Neste poema O Cigarro ( The Cigarrette), Morgan vai um pouco mais longe do que se disse acima. Trata-se autenticamente, atrevo-me a dizer, de espaço-metáfora, é o contraste entre essa realidade visual (o cinzeiro, a nuvem de fumo, a pequena corrente de ar, etc) e o que vem da memória, uma memória de réstia de esperança, pouco realista, diga-se.
*
STRAWBERRIES
There were never strawberries
like the ones we had
that sultry afternoon
sitting on the step
of the open french window
facing each other
your knees held in mine
the blue plates in our laps
the strawberries glistening
in the hot sunlight
we dipped them in sugar
looking at each other
not hurrying the feast
for one to come
the empty plates
laid on the stone together
with the two forks crossed
and I bent towards you
sweet in that air
in my arms
abandoned like a child
from your eager mouth
the taste of strawberries
in my memory
lean back again
let me love you
let the sun beat
on our forgetfulness
one hour of all
the heat intense
and summer lightning
on the Kilpatrick hills
let the storm wash the plates
MORANGOS
Nunca houve morangos
Como os que tivemos
Naquela tarde quente
Sentados no degrau
Da porta francesa aberta
enfrentando-nos um ao outro
os teus joelhos próximos dos meus
os pratos azuis no colo
os morangos cintilando
na luz tórrida do sol
mergulhamo-los no acúçar
olhando um para o outro
não apressando a festa
para que venha outra
os pratos vazios
expostos sobre a pedra juntos
com os dois garfos cruzados
e eu me aproximei de ti
doce naquele ar
nos meus braços
abandonado como uma criança
da sua boca sedenta
o gosto de morangos
na minha memória
encosta-se de volta
deixa-me amar-te
deixa o sol bater
no nosso esquecimento
uma hora de tudo
o calor intenso
e o relâmpago de verão
nas colinas de Kilpatrick
deixa a tempestade lavar os pratos
Edwin Morgan
(tradução inédita de Pedro Calouste)Edwin Morgan, poeta e homossexual assumido, tendo lutado activamente pelos direitos destes, inclusive contra a igreja, morreu no dia 19 de Agosto de 2010.
A sua obra inclui:
- Beowulf: A Verse Translation into Modern English, Hand and Flower Press, 1952
- The Vision of Cathkin Braes and Other Poems, William MacLellan, 1952
- The Cape of Good Hope (limited edition), Pound Press, 1955
- Poems from Eugenio Montale (translator), School of Art, University of Reading, 1959
- Sovpoems: Brecht, Neruda, Pasternak, Tsvetayeva, Mayakovsky, Martynov, Yevtushenko (translator) Migrant Press, 1961
- Collins Albatross Book of Longer Poems (editor) Collins, 1963
- Starryveldt Eugen Gomringer Press, 1965
- Emergent Poems Hansjörg Mayer, 1967
- Gnomes Akros publications, 1968
- The Second Life Edinburgh University Press, 1968
- Selected Poems of Sándor Weöres and Selected Poems of Ferenc Juhász (translator and introduction for Sándor Weöres) Penguin, 1970
- The Horseman's Word: Concrete Poems Akros, 1970
- Twelve Songs Castlelaw Press, 1970
- Glasgow Sonnets Castlelaw Press, 1972
- Instamatic Poems Ian McKelvie, 1972
- Wi the haill voice: 25 poems by Vladimir Mayakovsky (translator and glossary) Carcanet, 1972
- From Glasgow to Saturn Carcanet, 1973
- Nuspeak8: Being a Visual Poem by Edwin Morgan Scottish Arts Council, 1973
- The Whittrick: a Poem in Eight Dialogues Akros, 1973
- Essays Carcanet, 1974
- Fifty Renascence Love-Poems (translator) Whiteknights Press, 1975
- Rites of Passage (translator) Carcanet Press, 1976
- Edwin Morgan: an interview by Marshall Walker Akros, 1977
- The New Divan Carcanet Press, 1977
- Selected poems by August Graf von Platen-Hallermünde (translator) Castlelaw Press, 1978
- Star Gate: Science Fiction Poems Third Eye Centre, 1979
- Scottish Satirical Verse (compiler) Carcanet, 1980
- Grendel Mariscat, 1982
- Poems of Thirty Years Carcanet Press, 1982
- The Apple-Tree (modern version of a medieval Dutch play) Third Eye Centre, 1982
- Grafts Mariscat, 1983
- Sonnets from Scotland Mariscat, 1984
- Selected Poems Carcanet Press, 1985
- From the Video Box Mariscat, 1986
- Newspoems Wacy, 1987
- Tales from Limerick Zoo (illustrated by David Neilson) Mariscat, 1988
- Themes on a Variation Carcanet Press, 1988
- Collected Poems (republished 1996 with index) Carcanet Press, 1990
- Crossing the Border: Essays on Scottish Literature Carcanet Press, 1990
- Nothing Not Giving Messages: Reflections on his Work and Life (edited by Hamish Whyte) Polygon, 1990
- Hold Hands Among the Atoms: 70 Poems Mariscat, 1991
- Edmond Rostand's Cyrano de Bergerac: A New Verse Translation (translator) Carcanet Press, 1992
- Fragments by József Attila (translator) Morning Star Publications, 1992
- MacCaig, Morgan, Lochhead: Three Scottish Poets (edited and introduced by Roderick Watson) Canongate, 1992
- Cecilia Vicuña:PALABRARmas/WURDWAPPINschaw Morning Star Publications, 1994
- Sweeping Out the Dark Carcanet Press, 1994
- Long Poems – But How Long? (W. D. Thomas Memorial Lecture) University of Wales, Swansea, 1995
- Collected Translations Carcanet Press, 1996
- St. Columba: The Maker on High (translator) Mariscat, 1997
- Virtual and Other Realities Carcanet Press, 1997
- Chistopher Marlowe's Dr Faustus (a new version) Canongate, 1999
- Demon Mariscat, 1999
- A.D.: A Trilogy of Plays on the Life of Jesus Carcanet, 2000
- Jean Racine: Phaedra (translation of Phèdre) Carcanet Press, 2000
- New Selected Poems Carcanet Press, 2000
- Attila József: Sixty Poems (translator) Mariscat, 2001
- Cathures Carcanet Press, 2002
- Love and a Life: 50 Poems by Edwin Morgan Mariscat, 2003
- The Battle of Bannockburn (translator) SPL in association with Akros and Mariscat, 2004
- Tales from Baron Munchausen Mariscat, 2005
- The Play of Gilgamesh Carcanet Press, 2005
- Thirteen Ways of Looking at Rillie Enitharmon, 2006
- A Book of Lives Carcanet Press, 2007
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Prémios Literários
- 1972 PEN Memorial Medal (Hungary)
- 1982 OBE
- 1983 Scottish Book of the Year Award for Poems of Thirty Years
- 1985 Soros Translation Award (New York)
- 1998 Stakis Prize for Scottish Writer of the Year for Virtual and Other Realities
- 2000 Queen's Gold Medal for Poetry
- 2001 Oxford-Weidenfeld Translation Prize for Jean Racine: Phaedra
- 2003 Jackie Forster Memorial Award for Culture
- 2008 Scottish Book of the Year Award
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ligações úteis em português sobre a obra de Edwin Morgan:
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artigo escrito por Sylvia Beirute
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Na Série Poetas: Alejandra Pizarnik; Ana Luísa Amaral; Antonio Cícero; António Ramos Rosa; Cesare Pavese; Edwin Morgan; Fernando Esteves Pinto; Ferreira Gullar; Friedrich Nietzsche; Gertrude Stein; Gunnar Björling; Herberto Helder; Leonard Cohen; Pablo Neruda; Ricardo Domeneck; Roger Wolfe; Samuel Beckett; Seamus Heaney; Sylvia Plath; Theodore Roethke.
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CRUCIAL NA VIDA DE QUEM POETA
ResponderEliminarÉ CONHECER-LHE A PELE NUA,
SENTIR-LHE OS CHEIROS,
FUMAR-LHE AS PALAVRAS
E PERMITIR QUE ELAS SE ESFUMEM
EM ARGOLAS DE SENTIDOS,
ENTRE VEIAS DE CÉU
E ESPAÇOS DA NATUREZA
QUE SE PREENCHEM, DOMESTICADOS,
PELOS RITMOS ACELARADOS,
OU MELODIOSOS,
DAS POESIAS QUE, NASCENDO,
NASCEM NUAS DE PRAZER.
jORGE mANUEL bRASIL mESQUITA
Lisboa, 25/08/2010
Saudações!
ResponderEliminarAdorei "Morangos"!
Encheu-me as bocas d'água!
Abraços,